4 de Março de 2011
Dentro de uma semana, e Vasco Pulido Valente recorda-o na sua crónica do Público, vai ter lugar uma manifestação, um desfile, talvez um happening, de uma autodenominada “geração à rasca”. Eu já me tinha apercebido de que vinha aí coisa grossa. No outro dia ouvi uns moços a apregoarem o evento no “Prós e Prós” de Fátima Campos Ferreira. Fiquei elucidado sobre a natureza do movimento e as motivações deles. Aquilo de que eles hoje se queixam já eu me queixava há 25 anos quando acabei o curso. À rasca viveram sempre todos os que não se tendo filiado em partidos, integrado nas organizações maçónicas ou religiosas ou não beneficiando de cunhas e compadrios vários, uns herdados da outra senhora, outros adquiridos com os vícios trazidos pela revolução de Abril ou transmitidos pelos papás que se safaram no pós-25 de Abril, acabaram por se fazer à vida. Alguns foram mesmo condenados à liberdade e ainda hoje vivem à rasca. Uns dias melhor, outros pior.
A nossa democracia trouxe liberdade, mais mobilidade social, permitiu uma melhor repartição da cultura e do conhecimento, nem sempre devidamente aproveitada pelos seus destinatários, mas continuou a menosprezar os que sempre viveram à rasca. E o problema não foi de parvoeira. Foi de seriedade.
A menina dos “Deolinda” sabe que é parva mas não apresenta alternativas. Limita-se a cantar, bate palmas, e agora, também, quer desfilar na Avenida. É compreensível. Esta manhã já vi desfilar os filhos das meninas e dos meninos dos “Deolinda”, os filhos da “geração à rasca”, todos de bibe e serpentinas. E os seus professores e educadores. A partir de amanhã e até terça-feira vamos ver desfilar os seus pais e avós por esse País de foliões de mau gosto em que nos tornámos. Uns de bigode farfalhudo, mamas postiças e saltos altos. Outros de fio dental e silicone. Depois virá o desfile da "geração à rasca", que será como que uma espécie de baile da Pinhata. O tempo é de Carnaval. A “geração à rasca” e a canção dos “Deolinda” coincidem no tempo.
Ontem, em Faro, ao final da tarde, houve um debate sobre corrupção promovido pelo Correio da Manhã. Os debates prosseguirão pelo País. A corrupção também.
Algumas vozes mais sensatas já perceberam que eleições neste momento não servirão para nada. O problema, como já muitos estudaram, não está na maior ou menor oportunidade da sua realização. Está no sistema político e no sistema eleitoral. Rui Rio marcou pontos apesar de ter confundido o regime com o sistema, mas todos perceberam o que quis dizer. O PS precisava de ter alguém que pudesse responder-lhe com a mesma desenvoltura. Se necessário, um dia, entender-se com ele e que entendesse a sua linguagem. Desenvoltura até há quem a tenha. Credibilidade é que é mais difícil. E ainda assim restará sempre o problema de com o PSD nem o Sporting ser capaz de se entender.
De Cavaco Silva é que não se vê a sombra. Desapareceu atrás da sua marquise numa manhã de nevoeiro. Dizem-me que está a preparar o discurso da tomada de posse. Faz muito bem. Até agora limitou-se, qual Benfica, a dar algum avanço aos mercados que nos andam a lixar. A partir de dia 9 acaba-se a brincadeira. Oxalá não apareça mascarado. E que saiba aproveitar essa oportunidade para referir os reflexos positivos que a sua reeleição já trouxe ao País. Há coisas que podem passar despercebidas. E devem ser lembradas amiúde. Os portugueses precisam de estímulos.
“Je ne compte pas mes emprunts, je les pèse”, escreveu nos seus Ensaios. E que bem que ele escreveu. Se os nossos políticos lessem Montaigne nunca teríamos chegado ao estado a que chegámos. Montaigne não sabia de nós. Teve sorte. Não conheceu Cavaco Silva, José Sócrates ou Passos Coelho. Ainda bem que assim foi. Foi poupado. Se os tivesse conhecido ou sabido da nossa existência teria desistido de pensar e de escrever. Seria gestor. Ou inspector do fisco.
[também no Delito de Opinião]