sexta-feira, janeiro 21, 2011

VOTAR É TAMBÉM ARRISCAR


Estamos a menos de quarenta e oito horas da abertura das urnas onde serão depositados os votos que irão eleger o próximo Presidente da República.

Um dos grandes políticos da Antiguidade Clássica dizia que aquele que não participa na vida da república não é digno do seu estatuto de cidadania. Eu apenas acrescentaria que não é digno da sua liberdade.

Mais do que um direito regularmente exercido de tempos a tempos, votar é uma obrigação, um apelo à nossa consciência, à dimensão ética, social e cultural das nossas escolhas. Uma prova de vida, de humanidade e de altruísmo. A concretização da responsabilidade individual na dimensão política da Nação. Um acto de solidariedade e uma garantia de perenidade individual e colectiva.

Pelo menos é assim que eu encaro, em toda a sua transcendência, o exercício do direito de voto numa sociedade democrática. Nesta medida também sou um incorrigível.

Mas, perguntam-me, em quem votar?

Não serei a pessoa indicada para orientar o voto de ninguém. Não me reconheço o talento, menos ainda a habilidade, para orientar consciências, promover escolhas ou zelar pela liberdade dos meus semelhantes. Zelando pela minha não posso deixar de pensar na dos que me rodeiam. E é tudo.

Todos os que de há muito acompanham o que escrevo sabem o que penso sobre quase tudo, embora haja sempre algo que tenha ficado por dizer e que eu tente transmitir no rabisco subsequente.

Por isso dir-vos-ei que escolher é ponderar. Escolher é reflectir. É ser capaz de se projectar no futuro e avaliar as consequências das suas escolhas. Escolher é assumir a liberdade em toda a sua plenitude. Sou um homem livre. Um homem de escolhas.

O problema é que não há candidatos perfeitos.

O homem é feito de muitas subtilezas, um mundo de átomos que permanentemente se distinguem e multiplicam sem jamais se confundirem.

Escolher um Presidente da República consiste, pois, por vezes, em escolher aquele que aos nossos olhos é menos imperfeito, aquele que mais corresponde aos nossos afectos e às nossas preocupações. Aquele que poderá dar mais garantias de futuro. Não a ele próprio ou ao seu clã. À comunidade. À minha liberdade.

Quando no próximo domingo, 23 de Janeiro, chegar a hora de exercermos o nosso direito e cumprirmos a nossa obrigação para com as gerações futuras, importa que sejamos capazes de pensar se é melhor um presidente responsável e consciente das suas limitações ou um tipo que sob o manto diáfano da responsabilidade se convenceu de que sabe tudo, de que pode escolher por mim em toda e qualquer circunstância para eu poupar nas portagens e que se crê sem limitações.

E também importa que tenhamos consciência de que não é a mesma coisa escolher uma pessoa que protegida pela imagem de um aparente rigor e respeito pela legalidade democrática e administrativa se entretém nos intervalos desse rigor a tratar da sua vidinha e da dos seus, escusando-se a esclarecer o como, o quando e o porquê das obscuridades e pantominices da sua vida de cidadão, ou escolher um outro que sem se esconder na sombra ou nos subterfúgios das instituições se predispõe a abrir a porta do seu passado, da sua vida pública e privada, com a hombridade de quem é capaz de reconhecer que não há homens infalíveis e que o super-homem não passou de uma criação de Nietzsche e da banda desenhada.

Como não será indiferente optar por um homem de coragem, por alguém disposto a enfrentar o Adamastor sozinho se necessário for, quando ao seu lado medra o compadrio, o nepotismo, a obscuridade e a falta de verticalidade, pagando o preço da diferença, pagando o preço da honra em defesa de um destino colectivo. Não é a mesma coisa optar por um tipo cinzento, disposto a esconder-se e a proteger os seus pensamentos e frases do escrutínio dos seus semelhantes, alguém que evita comprometer-se com o passado, com o presente ou com o futuro para ir fazendo o seu caminho sem grandes ondas, rasgos ou responsabilidades, garantindo uma confortável reforma ao lado da miséria que grassa.

Na hora de escolher não será preciso levar qualquer cartilha. Bastará olhar para trás, fechar os olhos e pensar no dia de amanhã.

E aos que não forem capazes de fazer isto, então que sejam o mais terra a terra possível. Bastará pensar se é preferível um presidente que desvia o olhar quando confrontado com a vergonha da falta do rigor privada que apregoou em público, que evita ver o que faz a sua mão esquerda quando se benze com a direita, que ignora os bandos de pilantras que se acolhem à sua sombra, dispostos a atentarem seja por que meios for contra o Estado de Direito democrático, enquanto ele próprio vai enriquecendo discretamente, cumprindo as tarefas rotineiras que qualquer robot devidamente programado faria e ao mesmo tempo vai fazendo obras em casa sem licença camarária, nada fazendo para evitar que o protagonismo do seu nome se misture nas andanças camarárias, convivendo com a fantasia dos piruças que o rodeiam e o amiguismo que evita fiscais aborrecidos.

Ou, se ao invés, é preferível alguém capaz de confessar as suas fraquezas, de fazer um esforço permanente para se melhorar e elevar, alguém ciente da sua condição, que é capaz de dizer não a um amigo, de chamá-lo à razão e responsabilizá-lo pelas suas acções sem ter de ostracizá-lo ou renegá-lo. Alguém que sabe é que preciso distinguir a cidadania, combater a corrupção de forma transparente, começando na sua própria casa, e, também, capaz de ultrapassar as suas limitações, de exceder-se e de responder aos apelos da sua consciência em prol da Nação.

Votar é também arriscar. A vida é um risco.

Eu prefiro um homem de coragem que chora a um cara-de-pau medroso. Eu prefiro um homem que se assume, que se revolta, um homem curtido pela fealdade física da vida, um homem que marcou o seu destino a um tipo marcado pelo destino.

Eu quero na Presidência da República um homem capaz de reconhecer a dimensão ética da liberdade. Não quero um banana sem chama ou um tipo desfasado do seu tempo, culturalmente senil e subserviente das maiorias corporativas.

Eu prefiro um homem como eu. Um homem capaz de se reconhecer na adversidade. Capaz de resistir. Um homem à dimensão de Portugal. Um homem como nós.