A de Angola - Hoje é dia 11 de Novembro. Passa mais um aniversário da independência de Angola. A data não podia passar despercebida, em especial entre nós, depois da magnífica entrevista dada à TSF por Rafael Marques, um homem livre e corajoso que não hesita em dar a cara e o nome em defesa de uma cidadania justa e livre no seu país. Passado o tempo da guerra civil, iniciada a recuperação dos estropiados, e aberta uma nova página na sua história, é tempo de Angola se reabilitar. Em democracia. Não apenas na vertente externa, seja no âmbito da CPLP, das Nações Unidas ou no seio das demais nações africanas. Angola necessita urgentemente de se reabilitar internamente, muito em particular precisa de reabilitar as suas elites dirigentes. Para que o combate à fome e a erradicação da probreza, das doenças e do analfabetismo possa ter um sentido útil e não seja apenas mais uma fachada polida de um regime avesso à crítica e mais dado aos jogos de bastidores da sua diplomacia. Jamais se construirá um Estado justo e equilibrado enquanto a corrupção e o nepotismo continuarem a medrar em cada esquina, no bolso dos generais ou dos antigos combatentes que se aburguesaram protegidos pelas luzes do Futungo de Belas. Angola tem tudo para ser feliz: imenso capital humano, riquezas naturais e alegria. E se assim é, então seria bom que as suas elites dirigentes, a começar pelo seu Presidente, mostrassem que mais importantes do que as palavras são os actos genuínos e sinceros. Talvez que um bom sinal fosse começar por dar uma resposta franca e de rosto humano à carta que a Associação 27 de Maio lhe escreveu. Há gente que continua a sofrer e se o povo de Angola não é insensível a isso, então que os seus dirigentes dêem o sinal. Pode ser já hoje.
A de Algarve - Os noticiários e os jornais de hoje sublinham o despedimento colectivo de 336 pessoas na empresa Groundforce. Todas essas pessoas estavam ao serviço no Aeroporto de Faro. Algumas há mais de duas décadas. E sendo compreensíveis as razões avançadas pela administração da empresa, não deixa de ser estranho que só agora se tenha dado pelo colapso iminente e não se tenha anteriormente tomado as medidas que podiam ter evitado este fim. Não conheço o problema da Groundforce em particular. Sei o que todos lêem e ouvem. Mas conheço e tenho a noção da situação extremamente difícil que o Algarve atravessa. Não é só um problema de má gestão crónica de alguns dos seus empresários ou de dificuldades económicas e financeiras de conjuntura. O tecido social da região entrou, há mais de cinco anos, em desagregação, sem que ninguém em Lisboa se tenha dado conta do que se estava a passar. Foi logo a seguir ao Euro. Mesmo aqueles que se arrogam porta-vozes da região e que mais não têm feito do que se promoverem à custa desta, foram incapazes de perceber o que qualquer pessoa que andasse na rua sabia que iria acontecer. O agravamento das condições de segurança foi apenas um primeiro aviso. De nada serviu. Agora que a ministra do Trabalho, confrontada com a verdadeira dimensão da crise laboral e social que o Algarve atravessa, veio dizer que a situação ocorrida na Groundforce vai ser devidamente investigada, seria bom que também se investigassem todas aquelas situações em que as empresas recorreram a outros métodos, mais discretos, para se irem livrando do pessoal efectivo ao seu serviço. Refiro-me a extinções encapotadas de postos de trabalho e a acordos negociados individualmente com os trabalhadores, que os empurraram para o subsídio de desemprego, sendo que em muitos casos esses foram substituídos por outros, contratados a prazo ou a recibos verdes, menos qualificados para as mesmas funções. E, senhora Ministra, se ler estas linhas, há uma coisa que lhe digo: não é aceitável que uma empresa faça um acordo de rescisão amigável com um trabalhador, lhe passe os documentos para que ele se candidate ao subsídio de desemprego, com fundamento na extinção do posto de trabalho, e depois contrate um substituto. E se a ACT sabe que esse foi um expediente usado pelo patrão, não é aceitável que o Estado feche os olhos e faça de conta que a fraude a lei é um expediente legal para alguns continuarem a andar de Porsche enquanto outros não têm dinheiro para pagar a escola dos filhos. Se for necessário mexer na lei, então que se mexa de uma vez por todas e de forma clara, de maneira a que não seja depois necessário fazer um resumo em "português claro" no Diário da República. O português é por natureza claro. As sumidades é que o escurecem.
A de Advogado - O debate que teve lugar no Casino da Figueira da Foz mostrou claramente as clivagens hoje existentes na advocacia portuguesa. O limbo em que a profissão se encontra, algures entre o cobrador de fraque e o paquete para todo o serviço, limbo na qual se tem desprestigiado, desvalorizado e desestruturado, muito por força dos lobbies que coexistem no seu seio e da actuação de um Estado irresponsável, aconselha uma mudança. Faço, pois, aqui e desde já, a minha declaração de interesses. Vou apoiar Fernando Fragoso Marques porque acredito que uma advocacia serena, firme, empenhada, séria e esclarecida vale mais do que mil discursos. Porque continuo a pensar que a advocacia é uma profissão de homens livres e não de assalariados de empresas ou de colegas, actuem eles a título individual ou protegidos por esses empórios especializados na publicação de brochuras coloridas e que de autarquia em autarquia vão angariando clientela, tecendo verdadeiras redes e cimentando o seu poder. Os portugueses merecem uma advocacia à altura das suas tradições de luta e intervenção cívica. E é nos momentos difíceis, nas alturas de maior crise ética e moral, nos momentos em que são desferidos os ataques mais cegos de que há memória à cidadania, ao papel do advogado numa sociedade moderna, à justiça e às magistraturas, ataques que só servem para corroer ainda mais o sistema de justiça, que se vê a fibra de um advogado. É fundamental que haja alguém que seja capaz de olhar na distância, de projectar o futuro. Depois do encontro de ontem na Figueira da Foz dissiparam-se todas as dúvidas. Fragoso Marques chegou-se à frente. É o homem com quem os advogados contam para os liderar num combate que não é apenas pela advocacia e que é cada vez mais um combate pela decência. Porque, como ele diz, a Ordem não pode continuar a perder.
[também no Delito de Opinião]