“O caso que aí está é de outra natureza. E é um caso porque reforça a suspeita de que em qualquer negócio do Estado há sempre quem aproveite para meter dinheiro ao bolso. Essa miséria moral endémica, aliada a uma Justiça incapaz de cumprir o seu papel e que alastra a todos os níveis de decisão, comprometendo muitas vezes decisores políticos, é a doença mais grave deste regime que se desacredita processo após processo, sem que ninguém pague por eles” – Fernando Madrinha, Expresso, p. 9
O que Fernando Madrinha lucidamente escreve, mais do que uma simples constatação é, pela força do meio em que o faz e com a acutilância e o desassombro que marcam a diferença entre um espírito acomodado e um homem livre, mais um pungente alerta para a situação em que estamos.
Para o caso, é absolutamente inócuo saber se essa miséria moral endémica de que ele fala é ela própria uma consequência dessa confrangedora incapacidade do poder judicial para se fazer ouvir em termos tais que possa ser reconhecido, respeitado e querido pelos seus destinatários, ou se o poder judicial é o reverso de uma moeda que tem na outra face o rosto dessa miséria moral.
Sabemos que são os homens que fazem as leis e, entre nós, também sabemos que elas são muitas, más, confusas e que obedecem a uma lógica de “motorização da produção legislativa”, para fazer uso da feliz expressão de Carla Amado Gomes, que em nada contribui para contrariar tal incapacidade.
Como escrevia Aristóteles, “de nada aproveitará uma legislação, por muito útil que seja e aprovada unanimemente por todos os cidadãos, se estes não adquirirem os hábitos nem forem educados segundo o espírito do regime estabelecido”.
É que tal miséria moral endémica, ainda para voltar a pegar na obra recuperada por Sula de uma velha cave de Scepsis em 80 a.C., será o resultado de nas democracias os homens se conduzirem de acordo com aquilo que pretendem e, dizia ele citando Eurípides, “para onde o impulso os conduz”, o que será também uma das manifestações da liberdade. Aristóteles dizia ser esta uma situação iníqua, porque “viver de acordo com o estabelecido pelo regime não deve ser considerado uma servidão”.
Mas basta olhar para as nossas elites políticas e judiciais e perguntar ao cidadão comum como as vê para se compreender que hoje o regime vive no limbo. Não no limbo da liberdade ou do caos. Mas num limbo ético e moral que subsiste e fervilha nas secções dos partidos, nos gabinetes técnicos das autarquias, em muitas das sentenças e despachos proferidos no seio das magistraturas, na forma como se fazem e desfazem comissões parlamentares e no seio delas se depõe, no modo como se veicula para o exterior a simples informação do que por lá se passa ou, ainda num outro patamar, no estilo como os visados mais proeminentes comentam as críticas que a seu respeito se ouvem no espaço público.
Enquanto a maioria dos cidadãos deste país considerar que viver de acordo com o estabelecido pelo regime, isto é, de acordo com as suas leis, constitui uma servidão, uma canga que diariamente se suporta nas repartições, nas escolas, nos serviços ou até em frente de uma televisão, canga que anualmente se espelha nas declarações do IRS da maioria dos cidadãos, a salvaguarda do regime terá falhado, terá sido posta em xeque.
E assim continuará até ao dia em que os indigentes éticos sejam expulsos do regime, tarefa que terá de ser feita por todos os homens de bem – porque ainda os há –, que dentro dos partidos, em todos os ambientes e corporações onde essa miséria moral endémica se instalou e minou os alicerces do regime, ainda acreditam que não existem fatalismos.
Não o fazer será tornarmo-nos coniventes com os coveiros do regime e dizermos às gerações mais novas, singelamente, que não há presente porque nos limitámos a matar o futuro.
O que Fernando Madrinha lucidamente escreve, mais do que uma simples constatação é, pela força do meio em que o faz e com a acutilância e o desassombro que marcam a diferença entre um espírito acomodado e um homem livre, mais um pungente alerta para a situação em que estamos.
Para o caso, é absolutamente inócuo saber se essa miséria moral endémica de que ele fala é ela própria uma consequência dessa confrangedora incapacidade do poder judicial para se fazer ouvir em termos tais que possa ser reconhecido, respeitado e querido pelos seus destinatários, ou se o poder judicial é o reverso de uma moeda que tem na outra face o rosto dessa miséria moral.
Sabemos que são os homens que fazem as leis e, entre nós, também sabemos que elas são muitas, más, confusas e que obedecem a uma lógica de “motorização da produção legislativa”, para fazer uso da feliz expressão de Carla Amado Gomes, que em nada contribui para contrariar tal incapacidade.
Como escrevia Aristóteles, “de nada aproveitará uma legislação, por muito útil que seja e aprovada unanimemente por todos os cidadãos, se estes não adquirirem os hábitos nem forem educados segundo o espírito do regime estabelecido”.
É que tal miséria moral endémica, ainda para voltar a pegar na obra recuperada por Sula de uma velha cave de Scepsis em 80 a.C., será o resultado de nas democracias os homens se conduzirem de acordo com aquilo que pretendem e, dizia ele citando Eurípides, “para onde o impulso os conduz”, o que será também uma das manifestações da liberdade. Aristóteles dizia ser esta uma situação iníqua, porque “viver de acordo com o estabelecido pelo regime não deve ser considerado uma servidão”.
Mas basta olhar para as nossas elites políticas e judiciais e perguntar ao cidadão comum como as vê para se compreender que hoje o regime vive no limbo. Não no limbo da liberdade ou do caos. Mas num limbo ético e moral que subsiste e fervilha nas secções dos partidos, nos gabinetes técnicos das autarquias, em muitas das sentenças e despachos proferidos no seio das magistraturas, na forma como se fazem e desfazem comissões parlamentares e no seio delas se depõe, no modo como se veicula para o exterior a simples informação do que por lá se passa ou, ainda num outro patamar, no estilo como os visados mais proeminentes comentam as críticas que a seu respeito se ouvem no espaço público.
Enquanto a maioria dos cidadãos deste país considerar que viver de acordo com o estabelecido pelo regime, isto é, de acordo com as suas leis, constitui uma servidão, uma canga que diariamente se suporta nas repartições, nas escolas, nos serviços ou até em frente de uma televisão, canga que anualmente se espelha nas declarações do IRS da maioria dos cidadãos, a salvaguarda do regime terá falhado, terá sido posta em xeque.
E assim continuará até ao dia em que os indigentes éticos sejam expulsos do regime, tarefa que terá de ser feita por todos os homens de bem – porque ainda os há –, que dentro dos partidos, em todos os ambientes e corporações onde essa miséria moral endémica se instalou e minou os alicerces do regime, ainda acreditam que não existem fatalismos.
Não o fazer será tornarmo-nos coniventes com os coveiros do regime e dizermos às gerações mais novas, singelamente, que não há presente porque nos limitámos a matar o futuro.
[também no Delito de Opinião]