sexta-feira, fevereiro 05, 2010

CRISE? QUAL CRISE?

Duvido que alguém saiba neste momento qual vai ser o resultado da posição tomada pelos partidos que formam maioria no Parlamento contra o partido que venceu as eleições de 27 de Setembro, em matéria de alteração à Lei das Finanças Regionais. Refiro-me ao seu resultado em termos práticos, isto é, às consequências internas e externas.
O actual clima de guerrilha já era previsível em Setembro, em especial a partir do momento em que se tornou irreversível a vitória eleitoral do PS, contra tudo aquilo que em que PSD, CDS, BE e PCP tinham apostado.
Mesmo com um José Sócrates acossado, mesmo com um PS fragilizado, aqueles que apostaram em derrubar o primeiro-ministro por via das urnas e falharam, clamaram depois vitória por lhe terem retirado a maioria absoluta.
Os resultados dessa "vitória" começaram rapidamente a dar sinais, tendo atingido o seu ponto mais alto com a reunião do Conselho de Estado da passada quarta-feira.
A negociação do orçamento, o acordo precário a que se chegou, com a sua viabilização negociada e contrariada por parte do PSD e do CDS/PP, foi apenas o motivo para esses mesmo partidos darem uma no cravo e outra na ferradura. Não valia a pena afrontar o Presidente da República depois do que ele tinha dito.
Os episódios marginais, como a pindérica novela com Mário Crespo ou a divulgação das escutas do processo Face Oculta, mais não serviram do que para apimentarem o debate. Não passam disso mesmo, de episódios que fazem parte de uma luta política que à esquerda e à direita ignora, com cada vez mais frequência e total ausência de razão, a carga negativa do discurso que vai para o ar, o seu baixíssimo nível e a indecência argumentativa de alguns dirigentes.
De toda esta marginalidade mediática, onde campeia a euforia e a contra-informação, e que nada acrescenta à estética ou á ética, ressalta uma constatação: a de que está em curso um processo de regionalização fraudulento.
O bloco parlamentar que contra natura e que contra tudo o que era recomendável nas actuais circunstâncias políticas e económicas quer impor aos portugueses, neste momento de particular gravidade, de "pântano", como diz o deputado Guilherme Silva, a alteração da Lei das Finanças Regionais, não o faz apenas para satisfazer as clientelas madeirenses do Sr. Jardim e assim enfraquecer o todo nacional, criando dificuldades acrescidas ao país e aos portugueses, remetendo-nos para um buraco lodoso ao lado da laxista Grécia. Fá-lo no âmbito de uma estratégia há muito prosseguida pelo líder madeirense de conseguir por meios ínvios aquilo que os votos regionais sozinhos não conseguem.
Há muito que a Madeira de Alberto João Jardim deixou de se comportar com uma região autónoma à luz da Constituição da República. Duvido mesmo que alguma vez como tal se tenha comportado. E se por momentos no passado deu a entender que ainda fazia parte do todo nacional, fê-lo por razões de conjuntura. As mesmas razões que hoje únem a oposição parlamentar em torno da alteração à Lei das Finanças Regionais.
Eu até posso aceitar que a última alteração não foi a mais adequada e que importaria corrigir o que ficou menos bem. Mas o problema é que a alteração hoje pretendida não resolve nada. E o momento é demasiado crítico para jogos florais. Não são mais 50, 80 ou 400 milhões que resolvem o despesismo madeirense ou saciam a gula do Sr. Jardim. A alteração à lei é tão-só um pretexto para o agudizar da crise, para enfraquecer o governo e precipitar novas eleições. É essa lei como poderia ser outra qualquer porque para o caso qualquer coisa serve.
No momento em que importava unir o país para fazer frente às dificuldades que temos de enfrentar, corrigir o rumo, controlar o défice das contas públicas e tentar minorar o problema do desemprego, canalizando verbas para onde elas podem ser úteis, há quem insista em divertir a populaça, promovendo a existência de um estado regional fraudulento. Fraudulento porque criado à margem dos mecanismos legislativos que prevêem o processo de regionalização, feito à revelia dos portugueses e das populações que nas diversas regiões do território continental também gostariam de ter a sua própria região, usando para tal a Lei das Finanças Regionais. Alberto João Jardim conseguiu criar com a sua gente uma verdadeira "Região" dentro do Estado unitário, contando com a conivência das sucessivas direcções nacionais do PSD que não se importaram de ser regularmente enxovalhadas para poderem contar com os seus votos.
Não admira, por isso mesmo, que à saída da reunião do Conselho de Estado, ante a perspectiva de não conseguir abrir os cordões à bolsa, o Sr. Jardim se tivesse virado para os jornalistas que estavam em Belém e lhes tivesse desejado um bom Carnaval.
O Carnaval é a única preocupação de Alberto João Jardim. A única coisa que o põe fora de si. É que ele sabe que mesmo com o Bloco de Esquerda e o PCP a apoiarem o seu amigo Guilherme Silva, com o Mário Crespo aos berros, com Pacheco Pereira irado, com Passos Coelho a publicar livros, com Manuela Moura Guedes constituída assistente em todos os processos e mais alguns ou com as escutas a Vara escarrapachadas nos jornais, daí nunca virá dinheiro algum. E sem dinheiro não haverá Carnaval. Para haver Carnaval era preciso haver música, máscaras e bailarinas. E alguém teria de pagá-las.
Jardim sabe isso. A Dr.ª Manuela Ferreira Leite, como é normal, não percebe. E Paulo Portas é cínico.

[também no Delito de Opinião]