terça-feira, abril 21, 2009

OS MEIOS E OS FINS

Esta notícia do Público, à qual, aliás, também já algumas televisões deram relevo, vem colocar a questão de saber até que ponto é legítima e lícita num Estado de Direito, não só a actuação da Ordem dos Notários, mas também a de outros serviços públicos quando se trata de dar informação a quem dela necessita. O princípio da transparência autorizaria a que qualquer cidadão tivesse acesso aos documentos administrativos, sejam eles escrituras ou outros quaisquer, desde que não classificados, ou seja, desde que não contivessem matéria confidencial ou reservada. Acontece que, em regra, um cidadão quando pretende informações relativamente a escrituras encontra não raras vezes barreiras por parte dos senhores notários, dizendo muitos deles que só podem fornecer cópias (e sempre sob a forma de certidões) de escrituras se se fornecer as indicações do documento que se pretende (data da sua outorga e partes, aquilo que normalmente se tem mais dificuldade em obter se os próprios se recusarem a fornecer ou se por qualquer razão não se quiser ou puder pedir àqueles). Por vezes, com alguma boa vontade e bom senso do próprio notário ou de quem atende, lá se consegue a almejada certidão ou uma cópia simples do documento. E nos serviços públicos acontece, em regra, e pese embora a existência de um Código de Procedimento Administrativo, exactamente o mesmo. Não raras vezes a certidão que é negada numa repartição de finanças com o argumento da falta de legitimidade do requerente, ainda quando este requerente é advogado e o documento se destina a apresentação judicial, é emitida na congénere do lado sem perguntas. Também se um advogado se dirigir a uma conservatória pedindo informações sobre os prédios registados em nome de fulano ou sicrano, essa informação é sistematicamente negada, dizendo-se que sem o número da descrição ou a indicação em concreto do prédio esse tipo de informações não pode ser prestado já que são essas as instruções do IRN (mas, curiosamente, se for um solicitador de execução já não terá qualquer dificuldade em obter essa mesma informação). Se esta é a regra, e eu tenho dúvidas que deva continuar a ser, não se percebe por que razão no caso de José Sócrates elas hão-de-ser diferentes e a Ordem dos Notários, que mais não tem feito do que comportar-se como um instrumento corporativo de luta e defesa dos privilégios dos senhores notários contra o Governo (neste momento é o que está em funções mas podia ser um outro), e não como uma entidade de utilidade pública, há-de nesta matéria seguir uma prática diferente daquela que é normalmente seguida por alguns dos seus membros quando se trata de obter cópias de escrituras feitas pelos seus clientes privilegiados sempre que estes as querem manter sigilosas ou pretendem impedir terceiros de exercerem os seus direitos realtivamente a essas escrituras. Tenho para mim que o melhor princípio é o da transparência e o do livre acesso à informação, sempre e em todas as circunstâncias, ainda que isso tenha um custo para quem recorrer ao serviço e desde que não estejam em causa interesses sensíveis e classificados. Mas era importante que fosse de uma vez por todas clarificado quando, como e quem poderá ter acesso à informação sempre que estejam em causa escrituras, registos ou outros dados que por natureza e definição sejam públicos. É o mínimo que se pede para que nem tudo seja possível fazendo-se uso de qualquer meio. O desvio de poder e a arbitrariedade são normalmente difíceis de provar, embora andem sempre paredes-meias com a falta de transparência e a dualidade de critérios. E nesta matéria todos têm a sua quota-parte de responsabilidade. É nestes momentos que se distinguem os bons princípios e as boas práticas dos maus dirigentes, independentemente da qualidade, da forma de provimento e do cargo que exercem.

NOTA: Vi agora que o título deste post pode parecer ter sido "roubado" a este, mas garanto que só mesmo agora, uma dezena de horas depois de ter escrito o meu, é que li o post do João Gonçalves, no Portugal dos Pequeninos. Para que não restem dúvidas.