sexta-feira, abril 24, 2009

LIBERDADE SEM PÃO

Trinta e cinco anos depois do golpe militar de 25 de Abril de 1974, impõe-se escrever meia dúzia de linhas sobre a data. E meia dúzia é o suficiente face ao desolador panorama que meus olhos alcançam. Já pouco há para dizer. Já todos disseram tudo. O país não foi vítima de nenhuma catástrofe, é certo, mas quando olho para o lado e vejo os alucinantes patamares que a corrupção e o clientelismo atingiram, quando se sabe que 9% dos portugueses continuam analfabetos (já nem falo da iliteracia), que o desemprego caminha a passos largos para números nunca antes atingidos, que a criminalidade rebenta com qualquer estatística decente, que os três últimos primeiros-ministros foram os senhores Lopes, Barroso e Sócrates, que há bancos em situação de pré-falência que dependem da ajuda do Estado, que o Estado de Direito democrático e a Justiça patinam diariamente nos tribunais, que as corporações nunca tiveram tanto poder, que os sindicatos nunca foram tão fracos, que o relacionamento interpartidário e institucional atinge foros de hipocrisia inimagináveis numa democracia adulta, que na Europa caminhamos apressadamente para o fim da tabela onde discutimos lugares com os países que chegaram 20 anos depois de nós, que a auto-censura é palavra de ordem entre muitos jornalistas, que os processos por abuso de liberdade de imprensa, difamação e injúria contra jornalistas ou simples opinadores são corriqueiros, que sobre as autarquias não há dia que passe em que uma delas não seja atingida por uma pazada de lama, não seja veja inicido novo inquérito ou um dos seus autarcas não seja constituído arguido, que o Tribunal de Contas passa os dias a "corrigir" as contas dos nossos responsáveis e gestores públicos, que o cargo de Provedor de Justiça - símbolo da importância e do empenho que um Estado que se preze atribui à defesa dos direitos dos seus cidadãos e contribuintes - está há cerca de um ano para ser provido, que as prisões estão cheias, que o fisco usa e abusa despreocupadamente de métodos invasivos da privacidade, que a carga fiscal aumentou sobre os pobres e os remediados, que o nível de qualificação dos políticos é baixíssimo e que, com excepção da recentíssima reforma da Segurança Social feita por Vieira da Silva e da informatização na Justiça, não há reforma que mereça aplauso geral, para além de se ter tornado deveras inquietante a falta de participação e o alheamento dos cidadãos em relação a tudo o que diga respeito à coisa pública, fica-se com a sensação de que a consolidação democrática trouxe consigo o apodrecimento prematuro do regime e das suas instituições. Pior do que isso, pior do que a ineficiência do Estado e que a falta de perspectivas económicas e financeiras, é o descalabro social, a incapacidade que o país revela de encontrar um pouco que seja de auto-estima que o ajude a fechar uma porta e a abrir uma outra que permita iniciar um novo ciclo. Dir-me-ão que sou catastrofista, que nem tudo será assim, mas quando olho a rua da janela do meu escritório, quando vou ali ao lado tomar um café ou de cada vez que entro num tribunal, em vez de um país vejo uma multiplicação de fantasmas que se vão acotovelando, empurrando e de quando em vez viram a cabeça e fecham os olhos. Como rezava o título do filme, este país não é para velhos. Mas cada vez menos é para jovens. Liberdade sem pão não é liberdade. É humilhação.