Aquilo que ontem aconteceu no julgamento que está a decorrer em Felgueiras e de que alguns jornais hoje dão conta (Diário de Notícias, Correio da Manhã, Público), em que um juiz-conselheiro jubilado, ao que parece primo de Fátima Felgueiras, fez graves acusações à Polícia Judiciária e a magistrados do Ministério Público, incluindo a um vice-procurador-geral da República, envolvendo a falsificação de documentos, a eliminação de páginas originais de processos judiciais que foram depois substituídas por outras, histórias de lençóis e paixonetas não correspondidas, revela bem o estado em que está a justiça portuguesa e aquilo a que alguns se prestam. O processo de Felgueiras, tal como o da Casa Pia, em cada sessão apresenta novos contornos. Em comum têm o facto de se arrastarem eternamente e de haver declarações bombásticas e inconsequentes. A gente normal fica estarrecida. Não há palavras que descrevam o espanto e a desconfiança que tudo isto gera. Enquanto este estado de coisas se mantiver, bem pode o Dr. António Cluny lamentar a falta de reconhecimento público pelo papel da sua magistratura. Certamente que na judicatura haverá quem diga o mesmo depois de ler os relatos da imprensa. Num país em que são cada vez menos os que se sabem dar ao respeito e honrar a sua cidadania, também são cada vez mais os que, ainda que silenciosamente revoltados, já não se admiram com nada. O Procurador-Geral da República não pode ficar indiferente ao que ontem se passou em Felgueiras. O desconforto que homens como o Luís Eloy e muitos outros anónimos e trabalhadores magistrados sentem por esse país fora vai paulatinamente alastrando e o seu desencanto é igual ao do homem do povo. A refundação da Justiça de que falava o conselheiro Joaquim Carvalho é imperiosa. As coisas não podem manter-se assim sob pena de tudo isto se desagregar. O cheiro bafiento e promíscuo de alguns poderes e seus actores não pode continuar a alastrar e a tudo impregnar. A democracia não é auto-suficiente.
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