O Presidente da República aproveitou as comemorações do 25 de Abril na Assembleia da República par alertar o país e os responsáveis políticos para a ignorância dos jovens. De facto, não saber quem foi o primeiro presidente da República após a revolução dos cravos, desconhecer quantos países tem a União Europeia ou se o Governo tem uma maioria absoluta são exemplos de ignorância extrema. O problema é que Cavaco Silva se esquece que a ignorância dos jovens é reflexo da ignorância dos seus pais, na maior parte dos casos gente que obteve os seus canudos, ou como agora se diz as suas qualificações, nos tempos gloriosos da revolução, muitos deles entre um charro e uma "rga" (reunião geral de alunos para os neófitos) ao mesmo tempo que faziam a sua aprendizagem política e procuravam inserir-se profissionalmente. Depois da conquista da liberdade era a barriga, o conforto imediato e o desejo de ascensão social que primeiro falavam, o que era natural e normal. Só que alguns idiotas mais qualificados acharam que o resto viria sozinho e o resultado está à vista. Estou certo de que o inquérito que foi feito aos jovens se se tivesse sido realizado à geração dos 40/50 anos provavelmente daria um resultado muito parecido. Aliás, o melhor reflexo dessa ignorância está numa boa parte das nossas classes políticas e autárquicas e nas lideranças dos partidos. Basta ouvi-los. Já não sou do tempo da célebre disciplina de "OPAN" (Organização Política e Administrativa da Nação), leccionada nos liceus antes do 25 de Abril e que, servindo de mera propaganda para o regime que caiu, sempre dava umas luzes sobre a organização e o funcionamento do Estado. Mas apanhei uma coisa parecida chamada "Introdução à Política", que embora não me tenha servido para muito, sempre ajudou a cimentar as minhas escolhas e a minha visão do mundo graças a um ou outro professor que conseguia imprimir algum interesse às aulas. Há muito que me apercebi dos níveis de ignorância e de iliteracia. Basta olhar para o meu meio profissional. Quando há tempos uma jovem magistrada perguntava por que razão se escrevera "dia do aniversário natalício do requerente", quando, dizia a sujeita, o requerente não fazia anos no dia de Natal, percebi definitivamente o estado em que estamos. Partilho, pois, das preocupações de Cavaco Silva nesta matéria e creio que elas fazem todo o sentido no dia de hoje. Porém, convirá não esquecer as responsabilidades da geração que tomou o poder após o 25 de Abril. Se hoje a ignorância atingiu tais foros foi porque alguém o permitiu e esse alguém numa democracia consolidada tem nome. Ou tem vários nomes e estes podem ir da irresponsaibilidade ao compadrio, do clientelismo à corrupção, do oportunismo ao carreirismo político e à política do betão. Ignorância, falta de educação, ausência de sentido cívico e de cidadania normalmente caminham de braço dado. Quando hoje olhamos para os novos estados que integraram a União Europeia, cujas democracias começaram a dar os primeiros passos quase 20 anos depois do 25 de Abril, e nos apercebemos do avanço cultural, e em especial cívico, de algumas dessas democracias, designadamente da República Checa ou dos países bálticos, devíamos envergonhar-nos com o que nesta matéria conseguimos em 34 anos de democracia. O falecido Sottomayor Cardia apercebeu-se bem de tudo isso e por isso mesmo, mas não só por isso, chegou a falar do "atrofiamento da democracia". Fê-lo a tempo e horas, com a liberdade, a inteligência e a grandeza de espírito e de carácter que fizeram dele uma referência incontornável da democracia portuguesa. Por isso mesmo, neste dia, em que passa mais um ano sobre a revolução de Abril, aproveito as palavras de Cavaco Silva para o recordar. O melhor que este regime poderia fazer seria a introdução de uma disciplina obrigatória de cultura, ética e cidadania ao nível do ensino secundário, a partir do actual 9º ano e até ao 12º, dando-lhe a mesma relevância que se dá à matemática ou ao português e sem a qual não seria possível passar de ano. Tenho a certeza de que ao fim de uns anos os resultados se começariam a fazer sentir. Essa seria a melhor mensagem que este Governo poderia transmitir às novas gerações. Há obrigações e responsabilidades numa sociedade democrática para com as gerações vindouras que só podem ser cumpridas pela escola pública. Seria bom que se pensasse nisso, em especial nesta altura, quando se torna cada vez mais evidente que as famílias e a sociedade não conseguem cumprir decentemente o seu papel na formação das novas gerações e a escola pública continua a ser muito mal tratada. O caminho da cidadania é sempre o mais difícil de trilhar. Mas é exactamente por aí que tudo deve começar. Sem isso nunca será possível construir uma democracia mais participada, um país mais justo e socialmente mais equilibrado e ter, um dia, uma classe política e autárquica respeitada e respeitável. Nesse dia, quem sabe, poderemos não ter atingido o patamar da excelência, mas seguramente que teremos atingido o da decência. E este seria uma irreversível conquista de Abril.
sexta-feira, abril 25, 2008
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