De Pacheco Pereira sei o que quase todos os portugueses sabem, pela sua vida pública, pelo que escreve, pelo que diz, sempre de uma forma frontal, intelectualmente séria e tanto quanto possível rigorosa. Não o conheço de lado nenhum e nunca estive com ele pessoalmente. Mas isso não me impede de ter o maior apreço e respeito pela sua dimensão ética, intelectual e política, tendo-me habituado a reconhecê-lo, apesar das diferenças políticas, como um dos melhores entre os poucos bons que ainda restam. Logo, não estranhei o ataque que lhe foi dirigido por Abel Pinheiro, uma dessas figuras bizarras de uma galeria de sombras que medrou no Portugal democrático amparado pelas amizades cimentadas na política e nos negócios, e pelas suas ligações maçónicas, nesse limbo onde se movimentam políticos menos escrupulosos, homens de negócios, oportunistas, carreiristas subservientes, simples corruptos e traficantes de influências. Aquilo que para o comum dos cidadãos é um acto de duvidosa legalidade, um ilícito indiscutível, para Abel Pinheiro é um assunto normal e habitual, uma cunha, um jeito, uma ajuda. E, como se vê pela entrevista que deu ao Expresso, quando não consegue o que quer ou está em apuros vinga-se. Tratar-se-á afinal de mais uma faceta do seu carácter. É óbvio que depois de tudo aquilo que se sabe deles - de Pacheco e de Pinheiro - e do que aconteceu com o processo Portucale e com o Casino Lisboa, em especial depois do número de aniversário do jornal Público, superiormente dirigido por Pacheco Pereira e onde foram colocados em relevo todos os passos que conduziram à negociata do edifício, mais tarde ou mais cedo havia de sobrar para Pacheco Pereira. A impunidade com que muitos actuaram em Portugal ao longo dos anos levou a que alguns passassem a considerar como normais comportamentos detestáveis e censuráveis. Abel Pinheiro, pela entrevista que o Expresso revela, pensou que gozava de um estatuto de superioridade solidamente escorado nas ligações que arrogantemente exibe. Só que à medida que a poeira vai assentando e se vão conhecendo algumas reacções a essa entrevista, começo a pensar que ela foi um serviço que o Expresso, ainda que involuntariamente, acabou por prestar a Pacheco Pereira, "enterrando" ainda mais o entrevistado. Este, cego pela sanha que o levou a conceder a entrevista, procurando nela justificar o injustificável - porque entra pelos olhos dentro -, num momento em que era mais recomendável o silêncio e a discrição, ainda veio dizer que tinha dado 1000 contos para uma campanha de Pacheco Pereira. Não apresentou qualquer prova. Mas mesmo que o tivesse feito, tê-lo-ia feito numa época em que o donativo era legal, não constando sequer que aquele tivesse sido solicitado por Pacheco Pereira. Ao tentar manchar Pacheco Pereira dessa forma tão baixa quanto vil, Abel Pinheiro não se apercebeu de quão serôdia era a figura que fazia. Nem ele nem o Expresso, com o relevo que lhe deu. É esta riqueza da natureza humana que permite, malgré tout, ver como são muito mais parecidos do que se imagina Abel Pinheiro e Mendes Bota. A entrevista a Abel Pinheiro poderá não entrar na história pelo que clarifica ou pelo que revela dos meandros da política e dos negócios, mas seguramente que será recordada pela sua sordidez.
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