quinta-feira, fevereiro 14, 2008

DEMAGOGIA E POPULISMO Q.B.

Na esteira de uma intervenção recente do novo bastonário da Ordem dos Advogados, o líder parlamentar do PSD veio, também ele e aproveitando a boleia, falar no alargamento dos impedimentos e das incompatibilidades entre deputados e advogados. De acordo com Santana Lopes, o PSD propõe uma mexida ao regime das incompatibilidades de maneira a tornar mais apertado o crivo e difícil o desempenho em paralelo da função parlamentar e de actividades profissionais liberais. Marinho Pinto já se havia pronunciado contra a acumulação dessa funções. Só que o problema não está na simples acumulação de funções, mas no estatuto e na responsabilidade com que essas funções têm sido exercidas. Bem sei que têm sido cometidos muitos excessos, que a promiscuidade é grande e o parlamento tem sido um pasto enorme onde se alimentam clientelas e se fazem favores, muitos deles, é verdade, ainda que sem qualquer contrapartida financeira, mas inseridos numa teia que se vai alargando em função de variadas cumplicidades, à boa maneira chinesa. Nos dias que correm, não se pode dizer que o exercício da função parlamentar seja bem remunerado, atendendo à natureza das funções e suas exigências, mas não tenho dúvidas de que muitos deputados acabam por ter um salário e um conjunto de contrapartidas muito superior àquilo que nas suas vidinhas e com a preparação que têm alguma vez poderiam aspirar. Mas aqui já estamos num outro campo, que é o da preparação e qualificação de quem exerce funções parlamentares, onde a responsabilidade maior é dos partidos e dos seus mecanismos de formação, recrutamento e selecção. Se para alguns o exercício da função parlamentar corresponde a um genuíno interesse e vocação, espelhado num desempenho brioso, participado e interessado, noutro casos representará apenas um sinal de poder e uma forma de ascensão social aos olhos dos seus conterrâneos e das gentes da paróquia onde se inserem. Acho muito bem que se mexa no regime das incompatibilidades se essa for a intenção da maioria. Mas que não se torne a função parlamentar apenas incompatível com a advocacia. Se for esse o caminho, então que se alargue o regime de forma a tornar exclusivo o exercício da função em paralelo com qualquer outra profissão, com excepção do ensino, das actividades de investigação e do voluntariado, mas ao mesmo tempo dever-se-á aumentar a contrapartida financeira dos deputados e elevar o grau de exigência no recrutamento e na função. A dignificação desta também passará por aí, já que um deputado que ganha menos que um qualquer chefe de divisão ou departamento de uma empresa de dimensão média, não poderá sentir-se confortável na sua pele. Todavia, nada disto terá qualquer efeito, enquanto igual regime não for também privativo das autarquias ou das regiões autónomas, aqui onde os exemplos têm sido por demais escandalosos e os casos mais ou menos obscuros se multiplicam. A eliminação daquilo a que Santana chama "focos de suspeição" passa igualmente por aqui. Querer transformar os advogados em bode expiatório de um sistema que já demonstrou não funcionar, aproveitando a boleia de Marinho Pinto, e esquecendo o que se passa em muitas autarquias por esse país fora e com muitas outras profissões - engenheiros, economistas, arquitectos, consultores, etc. - não passa de demagogia barata e de um populismo bacoco e virado para os holofotes. Todos conhecemos Santana Lopes e o seu estilo de fazer política, exímio em falar sobre tudo menos sobre o que devia falar. Como acontece quando se remete ao silêncio e se escusa pronunciar sobre casos tão graves como os das suspeitas de favores e de tráfico de influências que recaem sobre gente que esteve no seu efémero Governo. Também por isso, talvez fosse bom que alguém de quando em vez lhe lembrasse estas pequenas coisas.

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