segunda-feira, janeiro 21, 2008

ARGUMENTOS MEDÍOCRES


O deputado Mendes Bota, que é assim uma espécie de Alberto João Jardim do Algarve, resolveu investir contra a ponderada e reflectida intervenção de Pacheco Pereira no último programa da Quadratura do Círculo (SIC-N) e vai daí resolveu atacar o comentador e seu colega de partido. Entre outras boutades, ou melhor dizendo "botadas", acusou Pacheco Pereira de "anti-regionalismo cego e primário" e para exemplificar como aquele estava errado não se lembrou de mais nada do que dizer que é "falso que a Regionalização signifique a criação de uma nova classe política", uma vez que "de acordo com a Lei de Bases da Regionalização em vigor, serão criadas 5 Juntas Regionais, de cinco elementos cada". Em abono da sua tese, o inefável Dr. Mendes Bota veio dizer que "isso significará a extinção de 18 governos civis e cinco Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, cada qual com 3 ou 4 membros nas respectivas administrações, sem falar numa corte infindável de responsáveis distritais de diferentes serviços públicos" e que as assembleias regionais serão compostas por membros que não exercerão a profissão de deputados regionais, "funcionando no regime de senhas de presença."

Apesar de já haver para aí muito boa gente a esfregar as mãos só de pensar no regime das senhas de presença, seria bom que o Dr. Mendes Bota se recordasse de meia dúzia de factos que contrariam a sua tese e que convém aqui referir-lhe:

1 - 5 Juntas Regionais com 5 membros cada dará qualquer coisa como 25 membros de governos regionais. Cada um destes membros terá, pelo menos, 1 chefe de gabinete, 2 secretárias, 1 contínuo, 3 assessores e 2 motoristas, ou seja, cada gabinete terá no mínimo 10 membros (contando com o membro do governo regional). Este número a multiplicar por 25 dará qualquer coisa como 250 pessoas só para gabinetes. Quanto é que isto vai custar? Será que o Dr. Bota já fez as continhas?

2 - Que ordenados estará o Dr. Mendes Bota a pensar dar aos membros dos governos regionais? Ou não irão receber ordenados e funcionarão também no regime de senhas de presença?

3 - Naturalmente que algumas das tarefas que são hoje desempenhadas pelos governos civis terão de continuar a ser desempenhadas por alguém, como por exemplo a emissão de passaportes, pelo que o pessoal adstrito a esta função, mesmo que sendo reduzido, continuará a ser necessário. A alternativa seria acabar com a emissão de passaportes nas regiões. Por isso mesmo, o Dr. Bota poderia começar por pegar no Governo Civil de Faro e explicar, funcionário a funcionário, atribuição a atribuição, como pretende alocar tais pessoas e atribuições na futura região. É um exercício simples e que poderá ajudá-lo a fundamentar futuras intervenções.

4 - Depois, o Dr. Bota, com o típico á-vontade de quem está habituado a discursar para o povo do calçadão da Quarteira, esclareceu que conta extinguir as CCDR e os lugares dos membros das respectivas administrações (3 ou 4 diz ele). Ainda bem que vai, mas já agora esclareça também a que entidade vai depois cometer as tarefas que são por elas actualmente desempenhadas? É aos 3 ou 4 assessores que cada membro dos governos regionais irá ter? Ou pura e simplesmente as funções das CCDR serão extintas e as câmaras passarão a decidir a seu bel-prazer? E que vai fazer com o pessoal actualmente ao serviço das CCDR? Vai colocá-los no quadro dos descartáveis ou é com eles que vai preencher os lugares nas assembleias regionais?

5 - Como se os argumentos utilizados não fossem já de si medíocres, o Dr. Mendes Bota veio ainda dizer que as assembleias regionais funcionarão em regime de senhas de presença e com pessoas que não exercerão a profissão de deputados regionais. Convirá por isso mesmo e antes de mais, saber qual o valor que vai ser atribuído a cada uma dessas senhas de presença, quantos deputados vai ter cada assembleia regional e quantas vezes, em média, estarão a pensar reunir para que se possa ter uma ideia de quanto isso vai custar aos contribuintes "regionais".

6 - O Dr. Mendes Bota também se esqueceu de explicar como se irão conciliar os interesses próprios dos deputados em part-time das assembleias regionais com o interesse destas e das regiões que será suposto servirem, designadamente, em matéria de registo de interesses. É que se está a contar com as actuais "classes políticas regionais" para preencher estes lugares, quer-me parecer que os conflitos de interesses serão mais que muitos tendo presente a proeminência de alguns interesses locais em matéria de construção civil e promoção imobiliária e turística. Basta pensar no que aconteceu ali para os lados de Almancil, com alguns empreendimentos turísticos entre Vale de Lobo e o Ancão, que não são de todo desconhecidos para o Dr. Mendes Bota, visto que ele integrou a administração de um conhecido empreendimento local e consta que depois terá prestado consultadoria a outros. Isto será fundamental para se perceber como é que estas coisas funcionarão na futura região do Dr. Mendes Bota.

7 - O deputado Mendes Bota que critica a infindável corte de responsáveis distritais pelos actuais serviços públicos, e com razão, também não esclarece se as funções que são actualmente desempenhadas por estes passarão a ser desempenhadas pelos membros dos governos regionais, nem qual a solução que propõe para acabar com os directores regionais da Agricultura, da Economia e de todos os demais serviços hoje existentes. Acabar não custa, mas seria bom saber a quem serão atribuídas as competências destes? E que vai ele fazer com os funcionários? Passarão as funções das direcções regionais a ser desempenhadas pelos membros dos governos regionais? Com gabinetes de meia dúzia de membros? Ou será mais um assunto para Lisboa resolver?

8 - Dizendo o deputado Mendes Bota que a regionalização não irá criar uma nova classe política, presume-se que irá contar com a actualmente existente e que já hoje pulula pelos órgãos autárquicos e preenche os órgãos regionais dos partidos políticos. Logo, também seria bom que esclarecesse como está ele a pensar preencher os lugares que as regiões irão criar, designadamente, se irá utilizar os que já fazem parte dos órgãos existentes e se o regime de senhas de presença irá permitir a acumulação de lugares nas assembleias municipais ou nas vereações com as presenças nas assembleias regionais. É que não havendo criação de uma nova classe política regional quer-me parecer que vamos ter para aí muitos deputados regionais "batman" - o Dr. Mendes Bota certamente que deverá estar lembrado de alguns colegas seus de partido que se especializaram em ajudas de custo e bilhetes de avião. A acumulação de senhas de presença é capaz de já dar um bom ordenado, não?

9 - Finalmente, uma pequena dúvida que ele poderá esclarecer é se na futura região as autarquias do PSD no Algarve continuarão a recorrer, à custa do contribuinte, às grandes sociedades de advogados de Lisboa ou se passarão a recorrer aos escritórios locais. Nestas coisas não há nada como começar pela própria casa.

O deputado Mendes Bota perdeu mais uma boa oportunidade para se distanciar do líder do seu partido, dando mostras de, ao contrário de Menezes, saber pensar antes de falar. Mas, infelizmente, o complexo regionalista e o sentimento de inferioridade em relação "aos de Lisboa" já lhe toldaram o discurso. Daí que se torne mais fácil atacar o seu companheiro de partido e oportunisticamente elogiar Jorge Coelho. Seria bem melhor que o Dr. Mendes Bota começasse por se preocupar em responder a algumas dúvidas que a sua posição suscita e em meter na ordem as autarquias do seu partido no Algarve (com excepção de Tavira, é claro). Talvez por ultimamente passar muito tempo em Lisboa, o Dr. Mendes Bota desconhece que em muitas autarquias, a começar por Loulé, um simples requerimento com o pedido de emissão de uma certidão a perguntar se determinada obra foi licenciada leva meses a ser despachado, quando é, e é tratado por algumas luminárias locais como se de um empreendimento turístico se tratasse, perdendo-se mais tempo do que se o requerimento tivesse que ir a despacho a Lisboa. Se quiser exemplos poderei dar-lhe uma boa mão cheia para se entreter nos seus jantares tertulianos com o Dr. Seruca. Sempre teriam um tema de conversa útil e poderiam pensar na melhor forma de agilizarem o andamento dos processos e eliminarem burocracias e salamaleques antes de pensarem nos lugares que haverá para distribuir na futura região.

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