segunda-feira, outubro 15, 2007

ECOS DO CONGRESSO DO ORNITORRINCO

"... a crise que hoje se vive ameaça esse património de intervenção cívica, tanto no PSD como no PS. Na verdade, escrevendo sobre o PSD, porque é suposto cuidar primeiro dos meus males do que dos males dos outros, falo sobre os problemas do esgotamento acentuado do nosso sistema político, quase todos eles partilháveis com o PS. A crise do sistema político português é muito maior do que pensam os militantes dos partidos, e exerce efeitos muito perniciosos no conjunto da vida pública" - Outubro de 2007

"A especial conjuntura em que se encontra o PSD mostra o preço altíssimo que se pode pagar quando se deixa levar a instituição-partido a degradar-se até ao limite. No PSD, o processo começou com Cavaco Silva, mas manteve-se ininterrupto desde então, com a honrosa excepção das tentativas Marcelo-Rio da "refiliação", aliás prontamente goradas. A tese que se tornou prevalecente, quase um truísmo, é a de que o partido não interessa para nada, as políticas fazem-se a partir de lideranças fortes ou a partir da distribuição de lugares com origem na governação e que o resto é quase uma perturbação que se pretende sempre bem longe, nos fundos da casa, na cave, de preferência. De vez em quando vinha lá do alto alguém pôr ordem, mas a cave era deixada em autogestão. O problema foi quando os andares superiores ficaram vazios e os habitantes da cave começaram a subir os andares todos e a torná-los desconfortáveis para os poucos que ainda os habitavam". (2006)

"Numa democracia, o curriculum político ideal deve compreender a experiência parlamentar e governativa, aliada à 'sabedoria' pratica da política que a acção partidária dá, quando esta não é uma mera carreira burocrática começando na asecensão da JSD para os gabinetes, dos gabinetes para a chefia dos gabientes, da chefia dos gabinetes para "ajudantes" de ministros, acabando-se em ministros propriamente ditos." (1998)

"Se tomássemos a sério o monumental exercício de massagem do ego dos delegados e da "camisola" que foi toda a intervenção de Menezes no congresso, o PSD deixaria de ser um partido democrático com mecanismos de representação para passar a funcionar em assembleia de democracia directa. Menezes prometeu a todos tal poder que, se aplicasse o que propôs, não ficaria com nenhum, não lideraria nada no dia seguinte. O partido viveria de sucessivas reuniões de presidentes de secções que decidiram tudo: deputados, delegados, presidentes das câmaras, vereadores, políticas. As suas propostas levariam a tornar a democracia represnetativa partidária numa democracia directa, o que significa que apenas os mais activos teriam voz, e não seria surpresa encontramos no fim o mesmo partido fechado sobre si mesmo que temos agora. Mesmo a sua proposta de directas precisa de condições prévias para não ser manipulada pelo aparelho partidário, a começar pela individualização da militância, acabando com os pagamentos colectivos de quotas e com centenas de falsos militantes inscritos para engordar artificialmente as secções e aumentar o número de delegados que depois são eleitos por meia dúzia de pessoas". (2005)

"Basta consultar as biografias de alguns dirigentes locais vindos da JSD ou do aparelho partidário, para ver como nos anos em que o PSD esteve no poder se acentuou a ligação entre os cargos partidários e os cargos de nomeação governamental, associados de um modo geral à ausênca ou ao abandono de qualquer actividade profissional própria, ou seja, à perda de independência económica em relação ao partido. Para essas novas clientelas, o partido tornou-se o emprego e a carreira política a forma de ascender profissional e socialmente. Por muito que encham a boca com uma espécie de clubismo social-democrata, o partido enquanto realidade política e cívica significa para eles muito pouco. A sua motivação é essencialmente interna - é do poder interno que precisam para manter os lugares. Actuam como um sindicato e estão dispostos a tudo para manter o emprego, mesmo que isso signifique matar socialmente o PSD. Por isso, o exercício do poder e a efectiva influência social não se traduziram numa renovação mas no agravamento das tendências oligárquicas dentro do partido. Aliás, processo semelhante se dá hoje no PS". (1998)

Excertos extraídos d' "O Paradoxo do Ornitorrinco - Textos sobre o PSD", de José Pacheco Pereira, Aletheia Editores, Outubro de 2007.

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