segunda-feira, julho 02, 2007

ERROS MEUS, MÁ FORTUNA A MINHA


"(...) As várias pessoas, porém, consultadas pelo Presidente, após a eleição, tiveram uma posição unânime que recomendava a manutenção do governador. Não que a unanimidade derivasse dos méritos do titular do cargo, mas antes do receio de que a mudança trouxesse uma instabilidade execessiva. A par destas opiniões, outra razão obstou à mudança. O pudor de Sampaio em nomear um amigo [Magalhães e Silva].
Chegado o tempo da decisão, Sampaio manteve o general, mas impôs novas regras e novas práticas. Um controlo mais apertado a que Rocha Vieira não estava ahbituado e com o qual nunca se conformou.
Alteraram-se as rotinas e os hábitos de relacionamento entre Belém e Macau. O governador passou a enviar - por solicitação de Sampaio - realtórios regulares sobre a evolução dos processos e a situação no território. Magalhães e Silva ficou por Lisboa, mas tornou-se num dos alicerces permanentes de Sampaio no dossiê.
Pessoalmente, acredito que se tratou de uma decisão de que Sampaio se arrependeu alguns meses depois. Independentemente da seriedade das intenções, Rocha Vieira não era um inocente. Sempre se preocupou mais em salvaguardar o seu papel na História do que propriamente com o desfecho da história. O que, convenhamnos, não era a melhor atitude para enfrentar o mar encapelado que nos levaria até à transição de soberania. A vaidade é legítima, mas exige seriedade e contenção. Em excesso torna-se irresponsável e perigosa." (p. 316)

"(...) Foi, por isso, com grande incredulidade que, dois anos mais tarde, em Outubro de 1999, foi encarada em Belém a vontade assumida por Rocha Vieira, e transmitida a Sampaio, que apontava no sentido de constituir uma nova Fundação.
O Presidente que já tinha dado o tema das Fundações por encerrado foi apanhado de surpresa com esta manifestação de vontade do general, ainda para mais quando faltavam dois meses para a cerimónia de transferência. Tratava-se de um domínio que estava preenchido e onde estava feito o que tinha de ser salvaguardado pelas autoridades portuguesas.
A primeira indicação sobre a Fundação Jorge Álvares foi dada pelo governador, no final de uma reunião de trabalho com Sampaio, em 1 de Outubro e que antecedia a visita de Jian Zemin a Portugal. Habitualmente, é sempre assim. Deixamos para o fim assuntos sobre os quais não estamos seguros ou que, adivinhando dificuldades, apostamos no desgaste do nosso interlocutor, tentando o assentimento gerado pelo cansaço. Mas tal não aconteceu.
Desde a primeira hora, Sampaio aconselhou Rocha Vieira a não avançar, pelo menos nos termos em que a iniciativa lhe fora apresentada.
Vinte dias depois, em nova reunião e perante a insistência do governador, Sampaio reiterou a oposição à constituição da Fundação em dois pontos. Em primeiro lugar, considerava já existir um número bastante de fundações em Macau. Por outro lado, entendia que o governador deveria estar fora dessa iniciativa. Mas se insistisse em avançar, recomendou Sampaio, impunha-se que a Fundação que viesse a ser constituída se subordinasse a um controlo político análogo ao da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, mediante nomeação pelo primeiro-ministro do Conselho de Administração da Fundação. Mais: deveria ter o acordo expresso da aprte chinesa, já que se destinava a vigorar para além de 1999. A reunião terminaria com a concordância de Rocha Vieira em relação às observações levantadas pelo Presidente.
Quando a vontade nos consome não há argumentos, por mais sensatos e avisados que sejam, capazes de travar-lhe o ímpeto. Não estranhou, por isso, a persistência com que o Governador continuou a acalentar o projecto inicial. A Fundação, mais do que um instrumento de incentivo entre Macau e Portugal, sempre foi pensada como um instrumento de intervenção política.
(...) O tema voltaria a ser abordado a menos de um mês da data da transferência - 30 de Novembro, Rocha Vieira reiterou o que já anteriormente tinha transmitidos a Magalhães e Silva e Sampaio transmitiu-lhe que, nessas circunstâncias, não se devia avançar com o processo. A experiência elvou o Presidente a dizer mais uma coisa ao Governador: se necessário, reservava-se o direito de dar conta pública de que nada tinha a ver com o assunto. E foi a contragosto, com o avolumar da polémica, que o Presidente se viu obrigado a prestar esclarecimentoss públicos sobre a matéria.
Sabe-se o que se seguiu, a Fundação foi constituída a 14 de Dezembro, num acto quase clandestino de que só se viria a saber pelas notícias publicadas na imprensa, em Janeiro de 2000. Até hoje continua adormecida e sem qualquer difusão do que faz e ao que se dedica" (pp. 318 e 319)

Sem comentários:

Enviar um comentário