terça-feira, julho 03, 2007

ENVIESAMENTO JORNALÍSTICO



O Público de hoje, no Editorial, assinado por José Manuel Fernandes (JMF), estatui que a votação para a Câmara Municipal de Lisboa funcionará como "termómetro para perceber o estado da governação" e que aquela permitirá perceber qual o peso de listas "mesmo independentes", esclarecendo que estas são as "que correm contra o estado das coisas nos partidos" (sic).

A leitura que JMF faz das eleições autárquicas intercalares da capital é, para não dizer outra coisa, no mínimo obtusa, encontrando eu nela alguns laivos de um esquerdismo que supunha ja erradicado. Querer ver numa simples eleição autárquica, numa única cidade, embora esta seja a capital do país, um "termómetro para perceber o estado da governação" é não perceber nada do que seja uma eleição autárquica, é ignorar a natureza única e intercalar da eleição que vai acontecer em Lisboa e significa o desconhecimento total dos mecanismos de poder na capital, das subtilezas da luta política em Lisboa e da natureza única e inconfundível dos seus eleitores.

Quer o grau de informação, quer o nível cultural, quer, ainda, os problemas, anseios e expectativas dos lisboetas, não têm rigorosamente nada a ver com o resto do país, ou até mesmo com o que se passa em autarquia limítrofes.

Daí que, querer extrapolar os resultados eleitorais em Lisboa, quaisquer que eles venham a ser, para o todo nacional, vendo neles um termómetro "para perceber" o estado da governação, não se trata sequer de um exercício académico. O que JMF escreveu hoje no Editorial do Público é o enviesamento total de uma perspectiva jornalística séria e que se quer "de referência".

Querer aferir o peso das listas independentes, sabendo que nem todos os independentes correm contra os partidos, havendo mesmo alguns que correm com eles, e não contra eles, é de todo um disparate. Aliás, se assim não fosse, como poderia JMF justificar o aparecimento de independentes a encabeçarem listas de partidos?, como será o caso mais flagrante de Fernando Negrão.

E mesmo em relação a Carmona ou Roseta tenho sérias dúvidas que algum deles corra contra os partidos. Carmona corre por ele, para tentar lavar a face e limpar a sua vereação do imbróglio que criou. Quando muito corre contra Marques Mendes que foi quem lhe tirou o tapete, mas nunca contra o PSD ou contra os potenciais eleitores deste que são quem lhe pode dar alguns votos. E Helena Roseta só se tornou "independente" para se poder candidatar. Ou será que alguém duvida que se Sócrates lhe tivesse respondido à carta, e aberto o caminho para ela se candidatar, ela hoje correria sozinha?

Enfim, JMF depois de nos ter habituado à sua visão voluntarista e pró-Bushista que se seguiu ao 11 de Setembro e antecedeu a invasão do Iraque, entrou agora no fértil campo do sonho. Poderá sempre fazê-lo, mas então o melhor é deixar de escrever editoriais e dedicar-se à literatura ou a escrever guiões para filmes. O sonho, a imaginação, a diletância, o lirismo, são incompatíveis com um jornalismo que se queira sério e que vise, para além de informar, contribuir para a formação dos leitores.

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