quinta-feira, abril 12, 2007

O BALANÇO


Da entrevista de José Sócrates, ontem à noite à RTP 1, há meia dúzia de coisas a reter, algumas das quais a exigirem novos esclarecimentos. O primeiro-ministro esteve bem, mas outra coisa não seria de esperar de quem sabia ao que ía e teve quase três semanas para se preparar. Por mim, não tenho dúvidas de que José Sócrates não pediu qualquer favor a Luís Arouca ou à Universidade Independente para obter a licenciatura. Que a Universidade e o reitor tenham "facilitado" por saberem quem ele era, já é outra questão.

As explicações quanto às razões de escolha da Universidade foram convincentes e aparentemente normais. O que foge de todo à normalidade é que ele pudesse ter sido admitido a frequentar as cadeiras que lhe faltavam, de acordo com o plano definido, sem que fosse feita qualquer prova do percurso anterior, sem a apresentação dos diplomas ou certificados necessários. Importante seria, pois, saber se em relação a todos os outros que recorreram à UNI para obterem a licenciatura, as equivalências, plano definido e documentos foram os mesmos. Isto é, os outros também foram dispensados da apresentação dos certificados e admitidos a frequentar as aulas e a fazer exames sem prévia apresentação dos certificados? Tenho sérias dúvidas.

Mas esse não é, efectivamente, um problema de José Sócrates, apenas revelando, se tal for verdade, que já nessa altura a Universidade Independente não oferecia garantias em matéria de rigor e de cumprimento das exigências da lei para poder funcionar. Normalmente, quando a esmola é grande o pobre desconfia. Neste caso, o estudante Joaé Sócrates não desconfiou de nada? Mas mesmo que tivesse desconfiado, enquanto estudante, ele "apenas" pretendia obter a licenciatura. O que lhe interessava era fazer os exames necessários e "despachar-se". Deste ponto de vista o estudante não poderá ser criticado. Mas o político pode e deve ser criticado. Exigia-se e impunha-se a este que tivesse dito ao reitor: "agradeço a sua atenção, mas primeiro vou obter os certificados e logo que os tenha na minha posse formalizarei o pedido". Isto é que seria normal.

Outra dúvida que ficou prende-se com o uso do título e o preenchimento da ficha biográfica do deputado no parlamento. É verdade que neste país qualquer borra-botas aceita ser tratado por engenheiro ou doutor mesmo que o não seja. Ainda me lembro de ouvir muita gente tratar Nuno Delerue, o ex-deputado do PSD e antigo secretário-adjunto do Governador de Macau, por "doutor". O que não é normal é que pessoas com formação deixem passar isso em branco sem nada dizer. Ou que um deputado, que à partida não será um ignaro, preencha uma ficha biográfica colocando no local destinada às habilitações "engenharia civil". Isto não é nada. Ou se tem um bacharelato, ou uma licenciatura, ou um mestrado, ou um doutoramento, ou outra coisa qualquer. É certo que depois veio a rasura, o acrescento..., mas concluir daqui por uma falha de carácter parece-me excessivo. O homem terá sido distraído, imponderado, mas isso não faz dele um trafulha nem um intrujão, nem o torna menos habilitado para desempenhar as suas funções, que é aquilo que o dr. Marques Mendes agora quer dizer quando vem pedir um inquérito.

Veja-se, por exemplo, a ficha de Hermínio Loureiro no site da Assembleia da República e o que está lá escrito: "Habilitações: Gestão de Empresas". Mas Hermínio é licenciado, é gestor, é bacharel? A dúvida é maior porque se diz que a profissão dele é "gestor" e na página do PSD de Oliveira de Azeméis, na parte realtiva ao percurso profissional, lê-se que o homem era responsável administrativo e financeiro de uma empresa chamada "Silva Brandão & Filhos, Ldª", depois foi técnico de seguros e coordenador comercial de uma seguradora. Aí se diz que tem como habilitações "gestão de empresas", no ISAG. Gestor? Quando? A dúvida permanece. Na página do Governo que integrou, referia-se apenas que Loureiro tinha a "frequência do curso de gestão de empresas". O que é isto? Frequência? No entanto, sempre ouvi os jornalistas chamarem a Hermínio Loureiro "doutor" e nunca o ouvi dizer que não o era. Até numa recente entrevista com Judite de Sousa isso aconteceu. O caso não é diferente do de Sócrates. Que pensa Marques Mendes disto? Isto torna Loureiro um desqualificado para o seu grupo parlamentar?

Quanto ao mais, a entrevista não trouxe nada de novo. Lugares comuns, chavões e conversa para tolos. O normal na política caseira.

(A fotografia é de André Kosters/Lusa, via site Portugal Diário)

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