quinta-feira, fevereiro 15, 2007

SIMPLEX? NÃO, CONFUSEX!


O ano passado, em Junho, um colega e amigo, advogado em Lisboa, dirigiu-se às Varas Cíveis de Lisboa para dar entrada a uma acção. Quando lá chegou, a funcionária disse-lhe que "a lei foi alterada ontem, agora a competência é do Tribunal do Comércio de Lisboa". Vai daí, o meu amigo voltou para o seu escritório, confirmou a mudança legislativa, alterou a primeira página do seu articulado e passou a endereçar a acção ao referido tribunal. Depois deu entrada à acção naquele que era, nesse dia, o tribunal competente.

Hoje recebeu o despacho que, com sua autorização e consentimento, seguidamente transcrevo, com sublinhados a negrito do autor destas linhas:

"Na presente acção de processo especial de insolvência, importa antes de mais ter em atenção, no que respeita aos presentes autos intentados contra pessoa singular, o acórdão do tribunal constitucional 690/06, proc. n.º 928/2006, publicado em Diário da República de 31.01.07, que julgou inconstitucional, por violação do disposto na alínea p) do n.º 1 do artº 165º da Constituição, a norma constante do artº 29º do Dec. Lei n.º 76-A/2006 de 29.03, na parte em que veio conferir nova redacção à alínea a) do n.º 1 do artº 89º da Lei 3/99 de 13.01. Vejamos:
Determina o artº 67º do mesmo diploma legal que: "As leis da organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais dotados de competência especializada".
A competência deste tribunal de comércio encontra-se delimitada pelo artº 89º da lei Orgânica dos Tribunais Judiciais. Nos termos da alínea a) do artigo mencionado na referida redacção conferida pelo Dec.-Lei 53/2004, de 18.03, a competência referida, no que respeita a processos de insolvência estava limitada aos processos em que o devedor fosse uma sociedade comercial ou a massa insolvente integrasse uma empresa.
Em 30.06.2006, essa redacção foi alterada, com a entrada em vigor do Dec.-Lei 76-A/2006, que alterou a redacção do referido artigo 89º (artº 29º), conferindo a este tribunal competência para os "processos de insolvência" sem qualquer limitação.
Nos termos do artº 165º da Constituição da República Portuguesa "é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização do governo: p) organização e competência dos tribunais e do Ministério Público e estatuto dos respectivos magistrados, bem como das entidades não jurisdicionais de composição de conflitos".
Na espécie, o diploma referido, Dec.-Lei 76-A/2006, foi promulgado no uso de autorização legislativa concedida pelo artº 95º da lei 60-A/2005, de 30.12.
Da análise do referido artigo, resulta claramente a não concessão de autorização legislativa para alterar a competência nos termos referidos, não se relacionando sequer a mesma (dissolução e liquidação das entidades comerciais) com a matéria em apreço.
Importa assim concluir que, tal como vimos, tratando-se de matéria da competência da Assembleia da República, a alteração referida, é organicamente inconstitucional, impondo-se não aplicar o diploma na sua versão alterada e repristinar a versão anterior.
Sendo requerido nos presentes autos pessoa singular e inexistindo alegação de que a massa insolvente do mesmo integre uma empresa, importa concluir que a competência em razão da matéria, para preparar e julgar a presente acção, compete ao tribunal de competência genérica (artº 77º, n.º 1 al. a) da Lei Orgânica).
Aliás, refira-se que, recentemente, através do Dec.-Lei 8/2007 de 17.01, o legislador mais uma vez alterou o artigo referido, que define a competência dos tribunais de comércio, voltando a limitar a competência ao "processo de insolvência se o devedor for uma sociedade comercial ou a massa insolvente integrar uma empresa" (al.a).
A incompetência em razão da matéria é uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, determinativa do indeferimento liminar da petição inicial ou da absolvição do réu da instância, podendo o tribunal, neste momento, conhecer da mesma (artºs 494º alínea a), 102º e 105º Cód. Proc. Civil).
Assim, face ao exposto, declaro verificada a inconstitucionalidade orgânica da alteração da alínea a) do artigo 89º da lei Orgânica dos Tribunais, efectuada pelo Dec.-Lei 76-A/2006 de 29.03 e consequentemente declaro este tribunal incompetente em razão da matéria para tramitar os presentes autos, absolvendo o requerido da instância.
Custas pelo requerente, com redução da taxa de justiça a um quarto - artºs 446º n.º 1 do Cód.Proc.. Civil e 302º n.º 1 C.I.R.E.
Registe e notifique.
(processei e revi)
Lisboa d.s.
Elisabete Assunção

Como explicar ao vulgar cidadão, que vai suportar as custas judiciais, os efeitos da diarreia legislativa e da inconstitucionalidade orgânica do diploma? Ou os pesados custos de um recurso, se fosse o caso? Ou as custas que vai ter de pagar para submeter de novo o pedido noutro tribunal? Isto não é um país, é uma espécie de país, como diria o Gato Fedorento!

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