quinta-feira, janeiro 04, 2007

A CULPA FOI OUTRA VEZ DOS OUTROS!


Ouvi esta manhã na rádio que um grupo de pescadores, chocados com o naufrágio da praia da Légua (Alcobaça) e com a falta de assistência atempada por parte das autoridades, rumará até Lisboa para entregar cartas ao presidente da República, ao primeiro-ministro, ao ministro da Defesa e a mais não sei quem.

Eu compreendo a dor dessa gente, pois também eu fiquei chocado com o que aconteceu e, sem ser um fingidor, sinto como minha a sua dor. Há quem pergunte como é possível naufragar a cinquenta metros da praia, em plena luz do dia, e morrer daquela forma à vista dos familiares e amigos.

Ainda hoje Henrique Neto, no Diário de Leiria, como insurgia contra mais esta tragédia e perguntava quem responderá por este “crime imperdoável”. Escreveu ele que num país de lanchas rápidas, helicópteros e futuros submarinos há quem morra à beira da praia sem que alguém se preocupe com isso.

Sucede que não é verdade o que o Henrique Neto diz. Não só eu e muito gente melhor do que se preocupa, como o problema não está nas lanchas rápidas nem nos helicópteros. Da mesma maneira que o problema dos incêndios também não está só nos aviões, nos bombeiros ou no ministro António Costa.

O problema está no azar de ter nascido português. Mas fundamentalmente na demagogia e na falta de responsabilidade cívica da maior parte de nós que no dia seguinte à ocorrência das tragédias vamos à procura dos bodes expiatórios da nossa incúria.

O que eu sei é que neste país não haverá ninguém, nem governo algum, que possa fazer pelos cidadãos o que estes não fazem por si próprios. É que antes de se apontar o dedo acusador ao atraso dos helicópteros ou à ineficiência dos meios de salvamento, importa perguntar o seguinte:

1) Quantos dos pescadores usavam coletes salva-vidas?
2) Quantos dos pescadores descalçaram as botas ante a eminência da tragédia?
3) Quantos tinham luvas para combater o frio e ajudá-los a aguentarem-se até que o auxílio chegasse?
4) Quantos sabiam nadar?
5) Quantos tinham um cabo com um fecho de segurança que os segurasse à borda da embarcação até que o auxílio chegasse?
6) A embarcação tinha largado ferro para não andar aos tombos?
7) Quantos tiveram consciência do perigo que era andar a pescar naquele local?

Custa-me perceber como é que seria possível morrer naquelas circunstâncias se todos eles tivessem os coletes salva-vidas vestidos. Mesmo que por qualquer razão o auxílio não chegasse a tempo e horas, isto é, antes do barco se virar, o colete mantê-los-ia sempre à superfície, sendo quase certo que se soltassem acabariam por vir ter à praia. Eu não percebo nada de barcos, nem de pesca, embora em tempos tenha tirado a carta de patrão de costa e seja mergulhador, mas sei que com o mar não se brinca e que quem vai ao mar se avia em terra.

É fácil culpar os helicópteros, o presidente da República ou o primeiro-ministro, quando não se cumprem regras mínimas de segurança que são acima de tudo regras de responsabilidade pessoal e cívica. De que servem os meios de segurança se os pescadores continuarem a ir para a faina com os coletes guardados? Ou pedir meios de combate aos fogos quando se continua a atirar indiscriminadamente beatas pelas janelas dos carros para não se sujar o cinzeiro? Ou a pedir às câmaras mais equipas de limpeza urbana quando o lixo é depositado ao lado dos contentores, isto quando não é atirado pela janela e o cinzeiro do carro despejado à socapa à porta do prédio do vizinho? Ou lamentar os mortos nas estradas e culpar a GNR quando se conduz ignorando a existência do pisca-pisca, se circula com os máximos em todo o seu esplendor assim que o sol se põe; quando se excedem à tripa-forra os limites de velocidade ou se circula descansadamente pela faixa mais à esquerda das auto-estradas a 60 km hora?

No dia em que este país tiver uma consciência cívica decente a probabilidade de uma tragédia como a da praia da Légua ocorrer tornar-se-á ínfima. Nesse dia será então possível apontar o dedo à falta de meios ou à sua ineficiência. Até lá é só foguetório e demagogia barata.

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