quarta-feira, novembro 22, 2006

VAMOS POR PARTES


Alguns espíritos menos esclarecidos, ligados à actual liderança do PSD, têm vindo a criticar de forma totalmente desajustada a intervenção televisiva de Cavaco Silva, na semana passada na SIC.

Dizem eles que o Presidente extravasou os seus poderes, intervindo directamente na luta política, ao arrogar-se o direito de opinar sobre factos da vida política, manifestando a sua adesão às posições do Governo, e que ao fazê-lo estaria a funcionar como uma forma de apoio ao Governo do engº Sócrates. Por outro lado, entendem essas pessoas que uma intervenção como a que Cavaco Silva teve reduz o campo de manobra da oposição e coloca em causa a liderança de Marques Mendes. Nada de mais errado.

Antes demais importa sublinhar que é importante que os factos sejam analisados na sua crueza e não sob a cegueira dos apparatchiks.Mas vamos por partes.

O Presidente da República limitou-se a dizer o óbvio. E qualquer pessoa com bom senso será obrigado a confirmar que a direcção política do PSD está farta de cometer erros, que a situação nas duas principais cidades geridas pelo PSD é má, num caso por questões internas, no outro por quebra da coligação com o CDS/PP, que as declarações de Marques Mendes têm sido manifestamente infelizes, que os porta-vozes do partido têm revelado uma grande incapacidade e falta de senso ao criticarem decisões de política governativa que o país há muito exigia. É o caso das SCUT, das reformas da Segurança Social e da Justiça, da rigorosa contenção orçamental rigorosa e do emagrecimento da função pública, de uma nova política educativa, das novas leis das autarquias e das finanças regionais e da aposta no desenvolvimento científico e tecnológico, só para dar alguns exemplos.

O PSD tem insistido em colocar a tónica das suas críticas no facto de ter havido uma hipotética quebra do compromisso eleitoral do Partido Socialista com os eleitores. Mas se houve, o que não me parece, não é ao PSD, nem à sua direcção ou aos seus fundamentalistas, que compete julgar essa eventual quebra, mas sim aos eleitores em futuras eleições. O PSD confunde a sua vontade com a vontade dos eleitores. E a partir daí convenceu-se de que foi com os sofríveis vinte e poucos por cento que o partido obteve nas últimas legislativas que lhe foi conferida legitimidade, não para criticar e fazer uma oposição decente, mas para julgar o Governo e as suas políticas. Os eleitores não são estúpidos e certamente que ponderarão a justeza dessas medidas perante o compromisso eleitoral do PS e as políticas que têm vindo a ser seguidas. Não é por Marques Mendes se pôr a berrar e em bicos dos pés, ou por um qualquer Branquinho vir dizer meia dúzia de patacoadas contra o Presidente da República e o Governo, que as pessoas de bom senso ou os eleitores vão ficar convencidos das suas verdades. Uma liderança que por uma simples entrevista do Presidente da República se sente condicionada e fica toda enxofrada, é uma liderança fraca, uma liderança que demonstra falta de poder de encaixe, impreparação e desnorte.

As mais recentes declarações de gente tão insuspeita como Manuela Ferreira Leite, Dias Loureiro, Duarte Lima, Fernando Negrão, Aguiar Branco, Ângelo Correia, Fernando Seara ou até do independente Daniel Proença de Carvalho, são por demais elucidativas da falta de razão de Marques Mendes e do destrambelhamento em que voga a sua direcção política. Repare-se que não estou a falar em gente como Alberto João Jardim, Luís Filipe Menezes, Mendes Bota, Guilherme Silva, de Patinha Antão ou do complexado Pedro Santana Lopes, que têm derivado ao sabor das marés e das suas conveniências, sendo facilmente reconhecidos pela demagoga ligeireza das suas posições e pela forma avulsa como criticam os opositores e Cavaco Silva sempre que as coisas não lhes correm de feição, ou sempre que os acontecimentos lhes retiram o protagonismo que julgam merecer, sendo, por isso mesmo, incapazes de fazer uma análise desapaixonada dos factos.

Há uma voz, no entanto, que também criticou a entrevista de Cavaco Silva, mas fê-lo com um outro tipo de registo e colocando-se num patamar claramente superior àquele em que Marques Mendes e a sua direcção se colocaram. Como, aliás, é seu timbre. Estou a referir-me a Pacheco Pereira. Só que neste caso, Pacheco Pereira esqueceu-se de que o regime português é um regime semi-presidencial, de que o presidente da República não é a rainha de Inglaterra e que para intervenções insonsas e sensaboronas já chegaram as de Jorge Sampaio, que nem mesmo em áreas sobre as quais tinha responsabilidades directas na governação foi incapaz de intervir de um modo consistente. Caso de Macau e dos desmandos de Rocha Vieira. Agora, a águia de duas cabeças voltou a mostrar que está viva, coisa a que já nos tínhamos desabituado, e o PSD entrou em pânico.

O país, com excepção de Soares no segundo mandato e de Sampaio na crise de Santana Lopes, habitou-se a ter presidentes que se mantinham impávidos e serenos a ver passar a procissão, limitando-se a fazer discursos de circunstância. Isso não significa que todos eles não tivessem procurado desempenhar o seu mandato nos termos constitucionais. E tenho para mim que todos eles o fizeram em termos aceitáveis, embora com estilos diferentes. Cavaco não tem de ficar amarrado ao estilo dos que o antecederam. Apenas se lhe exige que seja isento e que respeite os seus poderes. Só que isenção não é sinónimo de apatia. O Presidente não sofre de uma nenhuma capitis diminutio que o iniba de intervir quando acha adequado e de concluir o óbvio, sujeitando-se, naturalmente, às críticas que lhe possam ser assacadas pelos outros actores do sistema político.

Que Marques Mendes e a sua direcção política entendam, por força das circunstâncias e conveniência de quem já mostrou que nada tem a oferecer ao país, que o principal partido da oposição deve intervir como um mero ventríloquo, apostando em intervenções desgarradas, avulsas, inconsistentes e a destempo, isso é lá com eles. Que a oposição ao Governo do PS se resuma só a isso e a algumas intervenções que raiam a desonestidade política, é que já é mais grave.


P.S. Recomendo vivamente a leitura do artigo de hoje no DIÁRIO DE NOTÍCIAS, de Francisco Almeida e Paula Sá. Dir-se-ia que aos poucos os exemplos começam a reproduzir-se.

Sem comentários:

Enviar um comentário