Os nossos ilustres representantes da Nação não param de nos surpreender. A revista Sábado publicou na passada 5ªfeira, dia 2 de Novembro, uma interessantíssima reportagem sobre “as novas repúblicas de deputados”.
Informou a revista que alguns dos nossos deputados eleitos por círculos eleitorais fora de Lisboa, resolveram arrendar e partilhar apartamentos na capital durante a sua semana de trabalho. Eu, que sou um bota de elástico, e que inclusivamente me indignei com uma alteração ao Estatuto da Ordem dos Advogados efectuada no tempo do meu Colega José Miguel Júdice, alteração essa que eliminou a obrigação dos advogados se comportarem na sua vida pública e privada por forma a merecerem e serem dignos das horas e da advocacia, fiquei espantado com a reportagem da Sábado.
E digo espantado para não dizer chocado, já que não sou flor de estufa, porque pela referida reportagem ficámos a conhecer, entre outras minudências, os dotes culinários do presidente da Liga de Clubes (daí o volume do dito), dotes, aliás, devidamente apreciados pelos seus colegas deputados, Pedro Duarte e Sérgio Vieira; que o apartamento tem um colchão usado encostado à parede do corredor, que há maços de tabaco, notas e moedas espalhados por uma mesa, que jogam playstation nas horas vagas e que fazem step de calças de fazenda, na sala de estar, enquanto vêem televisão.
Outros, deputados do PS, seguem o mesmo “esquema” e vai daí foram comprar móveis à Moviflor (!) e outras pechinchas em segunda mão (trastes, digo eu), através de anúncios de jornais, para mobilarem o apartamento partilhado.
Dizem os meus amigos que eu além de ser um bota de elástico também sou um bocadinho viperino, pelo que não gostaria de me alongar demasiado sobre a reportagem da Sábado e as atitudes dos senhores deputados, já que julgo que ela ilustra o nível, o estilo e a falta de noção que os mesmos têm sobre o alcance das funções que desempenham.
É lamentável que os senhores deputados se prestem a este tipo de reportagem, aceitando a devassa da sua intimidade e da sua vida privada, alimentado desta forma saloia o seu ego e a curiosidade voyeurista dos leitores, embora sejam eles, e não eu, quem faz figura de pacóvio.
Depois, porque quem se presta a este tipo de exercício jornalístico não tem autoridade moral para amanhã, se for apanhado em trajes menores por uma câmara indiscreta ou numa qualquer praia naturista da Jamaica, vir dizer que a sua privacidade não está a ser respeitada.
Como se isso não fosse já de si altamente criticável, os senhores deputados vêm também revelar os seus gostos, mais do que discutíveis, promovendo os locais onde adquirem móveis (na Moviflor, por exemplo, que é, como se sabe o crème de la crème da decoração de interiores), a forma como ocupam os seus tempos nos apartamentos que partilham (fazendo step na sala de estar de calças de fazenda e jogando playstation) e não percebendo, por exemplo, que uma pousada da juventude se destina a muitas finalidades, mas que não é seguramente um lar de estudantes nem se destina a dar guarida quase permanente a políticos profissionais, ainda que jovens, que recebem um subsídio de renda de 750 euros (quase o dobro do salário mínimo nacional) para se alojarem noutro local.
Há, inclusivamente, quem não se coíba de dizer que recebendo 750 euros de subsídio de renda ainda consegue poupar algum dinheiro arrendando um T2 nas Laranjeiras com a filha que é estudante de Medicina! A filha é uma sortuda, mas a afirmação do senhor deputado da Nação é mais uma cretinice.
Os senhores deputados que se prestaram a este exercício jornalístico da Sábado demonstram bem que se comportam como uns pategos, que não têm a mínima noção das funções que exercem e que vão para a capital como deputados, não para se comportarem como deputados, que é o que os eleitores esperam deles, mas para amealharem umas coroas com o subsídio de renda que o Estado e os generosos contribuintes lhes dão para que eles se alojem com um mínimo de dignidade. Preferem andar a fazer tristes figuras, ainda por cima publicitando-as, com o subsídio que recebem, sendo ainda por cima gozados pela vizinhança pela sua pelintrice. Os leitores da Sábado podiam ter sido poupados a esta reportagem. Não foram.
A reportagem da Sábado veio de novo colocar o dedo na ferida e mostrar, para quem ainda tivesse dúvidas, a falta de preparação desta rapaziada para os cargos que desempenham e que se os desempenham isso não acontece por mérito próprio mas apenas porque temos um sistema de selecção e recrutamento da elite política abaixo de cão e que é capaz de promover meros comissários políticos dos partidos, sem uma preparação mínima que se veja, desde que tenham feito o percurso das “jotas”.
Antigamente, no tempo do salazarismo, este tipo de gente ia para a PIDE, para a Legião ou para um cargo menor, enquanto amealhavam uns cobres, ganhando alguma respeitabilidade e fazendo de bufos. Agora continuam a amealhar e fazem carreira pela via dos partidos. Nisso as boas ditaduras e as más democracias são muito parecidas.
Esta história da Sábado fez-me lembrar alguns maus exemplos que colhi em Macau, no tempo da Administração portuguesa, de membros do Governo local e de outros altos funcionários do Estado, que tendo direito a viajar em 1ª classe e em classe executiva, em razão dos cargos que ocupavam, acabavam viajando numa classe inferior, para receberem a diferença, ficarem com crédito nas agências de viagem ou levarem a família à borla, mas depois metiam cunhas para transportarem consigo, sem pagar, os excessos de bagagem que se viajassem na classe a que tinham direito nunca teriam que pagar. Ignoravam esses ilustres representantes do Estado português que depois eram alvo da chacota dos chineses. Do mesmo modo que ignoravam que embora poupando umas patacas, faziam uma figura tristíssima viajando no meio da maralha indiferenciada sem perceberem que isso só servia para desprestigiá-los e, mais grave, desprestigiar as funções que exerciam. Esqueciam, naturalmente, que se o subsídio ou o direito eram atribuídos em razão de um dado cargo ou função, era porque o legislador entendia que esta actividade exigia uma certa dignidade. Não fosse assim e seria escusado estar a dar o subsídio. O arquitecto Saraiva (o tal que não dá brindes no Sol) e o prof. José Hermano Saraiva, que tanto criticaram a classe política portuguesa e que também andaram a passear por aquelas paragens tecendo loas ao general Rocha Vieira, nunca repararam nisso. Eu reparei e disse-o em tempo oportuno nas páginas de vários jornais. Caiu tudo em saco roto. A malfadada história das conversões repete-se agora com outros contornos.
Eu bem sei que aquilo que os senhores deputados poupam no subsídio sempre dará para comprar umas peúgas mais quentes para quando o frio apertar ou mais um perfume para “a esposa” – hão-de reparar que estes senhores, normalmente, não são casados com uma mulher, mas com uma “esposa”, e que até hoje nunca ninguém lhes explicou, por exemplo, a razão para que, felizmente, os nossos sucessivos presidentes da República (ao menos valha-nos isso) se referissem e refiram sempre às suas mulheres quando falam dos respectivos cônjuges. Mas será que tal pelintrice constitui justificação suficiente para o desprestígio que a sua conduta vem emprestar à função que exercem? Parece-me bem que não.
Tudo isto que aqui deixo vem nos livros. Não é precisa qualquer presunção ou educação especial para sabê-lo. Basta ler um pouco, perguntar a quem sabe, ter um mínimo de cultura geral e de conhecimento da vida e do mundo. Persistentemente, o que se constata é que isso é tudo o que os nossos deputados não têm. Não fazem por isso e ainda por cima têm gáudio em exibi-lo. O mal não é exclusivo deles. É transversal a toda a nossa sociedade. Ainda há uns meses uma senhora juíza censurava o termo “natalício”, ao analisar um acordo de regulação do poder paternal previamente preparado por dois advogados, depois de perguntar, ante o meu espanto e o do meu colega que patrocinava a outra parte, se o pai dos menores fazia anos no Natal para que ali se dissesse que os menores iriam passar o dia do “aniversário natalício” do seu progenitor com este!
Depois de tudo o que acabei de escrever não posso deixar de dar os meus parabéns à Sábado e aos autores da reportagem pelo magnífico trabalho que fizeram. Eu, que não sou filho de ricos, que com muito esforço e trabalho vou tentando exercer a minha profissão com um mínimo de brio, dignidade e decência, que não recebo quaisquer subsídios, que religiosamente pago impostos, quotas e contribuições, que não tenho, nem nunca tive, em quase vinte anos de advocacia, uma avença com uma autarquia, empresa pública ou um simples cliente particular que me tivesse sido “remetido” pela via de um qualquer partido e que, além do mais, nunca pedi dinheiro ao BES (livra!), é graças às reportagens como a que a Sábado publicou que vou conhecendo um pouco melhor a classe política do meu país.
“Os valores e as normas que governam o nosso comportamento mudam quando passamos da escola para a família, do trabalho para o partido ou do templo para o grupo de amigos. Isto equivale a uma certa ‘compartimentação’ das sociedades. (...) Walzer sustenta que numa sociedade caracterizada pelo pluralismo das esferas apenas é necessário manter essas fronteiras. Os bens de cada esfera terão de ser distribuídos de acordo com os respectivos significados sociais, e ninguém deveria converter uma posição privilegiada numa dessas esferas em privilégios para actuar numa esfera diferente. As conversões ilícitas (...) pervertem o significado social dos bens em questão e constituem uma forma de tirania” – cfr. Daniel Innerarity, in A transformação da política, Teorema, p.88.
Parece-me elementar. Só que os deputados que temos desconhecem Michael Walzer, nunca ouviram falar no pluralismo das esferas e não leram o que escreveu o bilbaíno aqui citado. Como também desconhecem o Eça e o Ramalho. De outro modo não teriam dito o que disseram. Em suma, não têm a noção das funções que exercem nem do efeito que as suas atitudes têm na sua imagem e na imagem das instituições que é suposto representarem e prestigiarem. E não enxergam que essas atitudes, como a que a referida revista em boa hora revelou, só servem para os portugueses confirmarem, perdoem-me os leitores deste blogue, a ignominiosa classe política que temos e o nível medíocre de muitos dos nossos ilustres deputados.
E ainda por cima têm a lata de dizer, sem perceberem o alcance da besteira e ignorando que aos olhos da opinião pública há coisas com que não se pode brincar, que é nesses apartamentos partilhados e mobilados com móveis da Moviflor que nomeiam os árbitros. Dir-me-ão que são deputados da Nação, filhos da Pátria. Pois são. Eu também sou. E só posso limitar-me a constatá-lo e a dizer embevecido: Ditosa Pátria que tais filhos tem!
Em Faro, na madrugada de 4 de Novembro de 2006.
Informou a revista que alguns dos nossos deputados eleitos por círculos eleitorais fora de Lisboa, resolveram arrendar e partilhar apartamentos na capital durante a sua semana de trabalho. Eu, que sou um bota de elástico, e que inclusivamente me indignei com uma alteração ao Estatuto da Ordem dos Advogados efectuada no tempo do meu Colega José Miguel Júdice, alteração essa que eliminou a obrigação dos advogados se comportarem na sua vida pública e privada por forma a merecerem e serem dignos das horas e da advocacia, fiquei espantado com a reportagem da Sábado.
E digo espantado para não dizer chocado, já que não sou flor de estufa, porque pela referida reportagem ficámos a conhecer, entre outras minudências, os dotes culinários do presidente da Liga de Clubes (daí o volume do dito), dotes, aliás, devidamente apreciados pelos seus colegas deputados, Pedro Duarte e Sérgio Vieira; que o apartamento tem um colchão usado encostado à parede do corredor, que há maços de tabaco, notas e moedas espalhados por uma mesa, que jogam playstation nas horas vagas e que fazem step de calças de fazenda, na sala de estar, enquanto vêem televisão.
Outros, deputados do PS, seguem o mesmo “esquema” e vai daí foram comprar móveis à Moviflor (!) e outras pechinchas em segunda mão (trastes, digo eu), através de anúncios de jornais, para mobilarem o apartamento partilhado.
Dizem os meus amigos que eu além de ser um bota de elástico também sou um bocadinho viperino, pelo que não gostaria de me alongar demasiado sobre a reportagem da Sábado e as atitudes dos senhores deputados, já que julgo que ela ilustra o nível, o estilo e a falta de noção que os mesmos têm sobre o alcance das funções que desempenham.
É lamentável que os senhores deputados se prestem a este tipo de reportagem, aceitando a devassa da sua intimidade e da sua vida privada, alimentado desta forma saloia o seu ego e a curiosidade voyeurista dos leitores, embora sejam eles, e não eu, quem faz figura de pacóvio.
Depois, porque quem se presta a este tipo de exercício jornalístico não tem autoridade moral para amanhã, se for apanhado em trajes menores por uma câmara indiscreta ou numa qualquer praia naturista da Jamaica, vir dizer que a sua privacidade não está a ser respeitada.
Como se isso não fosse já de si altamente criticável, os senhores deputados vêm também revelar os seus gostos, mais do que discutíveis, promovendo os locais onde adquirem móveis (na Moviflor, por exemplo, que é, como se sabe o crème de la crème da decoração de interiores), a forma como ocupam os seus tempos nos apartamentos que partilham (fazendo step na sala de estar de calças de fazenda e jogando playstation) e não percebendo, por exemplo, que uma pousada da juventude se destina a muitas finalidades, mas que não é seguramente um lar de estudantes nem se destina a dar guarida quase permanente a políticos profissionais, ainda que jovens, que recebem um subsídio de renda de 750 euros (quase o dobro do salário mínimo nacional) para se alojarem noutro local.
Há, inclusivamente, quem não se coíba de dizer que recebendo 750 euros de subsídio de renda ainda consegue poupar algum dinheiro arrendando um T2 nas Laranjeiras com a filha que é estudante de Medicina! A filha é uma sortuda, mas a afirmação do senhor deputado da Nação é mais uma cretinice.
Os senhores deputados que se prestaram a este exercício jornalístico da Sábado demonstram bem que se comportam como uns pategos, que não têm a mínima noção das funções que exercem e que vão para a capital como deputados, não para se comportarem como deputados, que é o que os eleitores esperam deles, mas para amealharem umas coroas com o subsídio de renda que o Estado e os generosos contribuintes lhes dão para que eles se alojem com um mínimo de dignidade. Preferem andar a fazer tristes figuras, ainda por cima publicitando-as, com o subsídio que recebem, sendo ainda por cima gozados pela vizinhança pela sua pelintrice. Os leitores da Sábado podiam ter sido poupados a esta reportagem. Não foram.
A reportagem da Sábado veio de novo colocar o dedo na ferida e mostrar, para quem ainda tivesse dúvidas, a falta de preparação desta rapaziada para os cargos que desempenham e que se os desempenham isso não acontece por mérito próprio mas apenas porque temos um sistema de selecção e recrutamento da elite política abaixo de cão e que é capaz de promover meros comissários políticos dos partidos, sem uma preparação mínima que se veja, desde que tenham feito o percurso das “jotas”.
Antigamente, no tempo do salazarismo, este tipo de gente ia para a PIDE, para a Legião ou para um cargo menor, enquanto amealhavam uns cobres, ganhando alguma respeitabilidade e fazendo de bufos. Agora continuam a amealhar e fazem carreira pela via dos partidos. Nisso as boas ditaduras e as más democracias são muito parecidas.
Esta história da Sábado fez-me lembrar alguns maus exemplos que colhi em Macau, no tempo da Administração portuguesa, de membros do Governo local e de outros altos funcionários do Estado, que tendo direito a viajar em 1ª classe e em classe executiva, em razão dos cargos que ocupavam, acabavam viajando numa classe inferior, para receberem a diferença, ficarem com crédito nas agências de viagem ou levarem a família à borla, mas depois metiam cunhas para transportarem consigo, sem pagar, os excessos de bagagem que se viajassem na classe a que tinham direito nunca teriam que pagar. Ignoravam esses ilustres representantes do Estado português que depois eram alvo da chacota dos chineses. Do mesmo modo que ignoravam que embora poupando umas patacas, faziam uma figura tristíssima viajando no meio da maralha indiferenciada sem perceberem que isso só servia para desprestigiá-los e, mais grave, desprestigiar as funções que exerciam. Esqueciam, naturalmente, que se o subsídio ou o direito eram atribuídos em razão de um dado cargo ou função, era porque o legislador entendia que esta actividade exigia uma certa dignidade. Não fosse assim e seria escusado estar a dar o subsídio. O arquitecto Saraiva (o tal que não dá brindes no Sol) e o prof. José Hermano Saraiva, que tanto criticaram a classe política portuguesa e que também andaram a passear por aquelas paragens tecendo loas ao general Rocha Vieira, nunca repararam nisso. Eu reparei e disse-o em tempo oportuno nas páginas de vários jornais. Caiu tudo em saco roto. A malfadada história das conversões repete-se agora com outros contornos.
Eu bem sei que aquilo que os senhores deputados poupam no subsídio sempre dará para comprar umas peúgas mais quentes para quando o frio apertar ou mais um perfume para “a esposa” – hão-de reparar que estes senhores, normalmente, não são casados com uma mulher, mas com uma “esposa”, e que até hoje nunca ninguém lhes explicou, por exemplo, a razão para que, felizmente, os nossos sucessivos presidentes da República (ao menos valha-nos isso) se referissem e refiram sempre às suas mulheres quando falam dos respectivos cônjuges. Mas será que tal pelintrice constitui justificação suficiente para o desprestígio que a sua conduta vem emprestar à função que exercem? Parece-me bem que não.
Tudo isto que aqui deixo vem nos livros. Não é precisa qualquer presunção ou educação especial para sabê-lo. Basta ler um pouco, perguntar a quem sabe, ter um mínimo de cultura geral e de conhecimento da vida e do mundo. Persistentemente, o que se constata é que isso é tudo o que os nossos deputados não têm. Não fazem por isso e ainda por cima têm gáudio em exibi-lo. O mal não é exclusivo deles. É transversal a toda a nossa sociedade. Ainda há uns meses uma senhora juíza censurava o termo “natalício”, ao analisar um acordo de regulação do poder paternal previamente preparado por dois advogados, depois de perguntar, ante o meu espanto e o do meu colega que patrocinava a outra parte, se o pai dos menores fazia anos no Natal para que ali se dissesse que os menores iriam passar o dia do “aniversário natalício” do seu progenitor com este!
Depois de tudo o que acabei de escrever não posso deixar de dar os meus parabéns à Sábado e aos autores da reportagem pelo magnífico trabalho que fizeram. Eu, que não sou filho de ricos, que com muito esforço e trabalho vou tentando exercer a minha profissão com um mínimo de brio, dignidade e decência, que não recebo quaisquer subsídios, que religiosamente pago impostos, quotas e contribuições, que não tenho, nem nunca tive, em quase vinte anos de advocacia, uma avença com uma autarquia, empresa pública ou um simples cliente particular que me tivesse sido “remetido” pela via de um qualquer partido e que, além do mais, nunca pedi dinheiro ao BES (livra!), é graças às reportagens como a que a Sábado publicou que vou conhecendo um pouco melhor a classe política do meu país.
“Os valores e as normas que governam o nosso comportamento mudam quando passamos da escola para a família, do trabalho para o partido ou do templo para o grupo de amigos. Isto equivale a uma certa ‘compartimentação’ das sociedades. (...) Walzer sustenta que numa sociedade caracterizada pelo pluralismo das esferas apenas é necessário manter essas fronteiras. Os bens de cada esfera terão de ser distribuídos de acordo com os respectivos significados sociais, e ninguém deveria converter uma posição privilegiada numa dessas esferas em privilégios para actuar numa esfera diferente. As conversões ilícitas (...) pervertem o significado social dos bens em questão e constituem uma forma de tirania” – cfr. Daniel Innerarity, in A transformação da política, Teorema, p.88.
Parece-me elementar. Só que os deputados que temos desconhecem Michael Walzer, nunca ouviram falar no pluralismo das esferas e não leram o que escreveu o bilbaíno aqui citado. Como também desconhecem o Eça e o Ramalho. De outro modo não teriam dito o que disseram. Em suma, não têm a noção das funções que exercem nem do efeito que as suas atitudes têm na sua imagem e na imagem das instituições que é suposto representarem e prestigiarem. E não enxergam que essas atitudes, como a que a referida revista em boa hora revelou, só servem para os portugueses confirmarem, perdoem-me os leitores deste blogue, a ignominiosa classe política que temos e o nível medíocre de muitos dos nossos ilustres deputados.
E ainda por cima têm a lata de dizer, sem perceberem o alcance da besteira e ignorando que aos olhos da opinião pública há coisas com que não se pode brincar, que é nesses apartamentos partilhados e mobilados com móveis da Moviflor que nomeiam os árbitros. Dir-me-ão que são deputados da Nação, filhos da Pátria. Pois são. Eu também sou. E só posso limitar-me a constatá-lo e a dizer embevecido: Ditosa Pátria que tais filhos tem!
Em Faro, na madrugada de 4 de Novembro de 2006.
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